literatura, política, cultura e comportamento.
seja em santa maria, em alegrete, no rio de janeiro, em osório ou em liechtenstein.
na verdade, tanto faz.

27 de junho de 2009

Hipercorreção

Quem me conhece sabe que não tenho implicância alguma com erros ortográficos. No entanto, no caso de pessoas públicas, que têm uma imagem a preservar, o caso é diferente. Apesar da maioria de nós brasileiros (é uma hipótese!) seguidamente nos depararmos com uma dúvida ou outra na hora de escrever, temos o triste hábito de menosprezar os equívocos linguísticos alheios.

(Caso mais bizarro atualmente, para mim, envolve o inglês de Joel Santana. O deboche que a mídia coloca e que vai para nas conversas de bar... Quantos têm o mesmo ou inferior nível de conhecimento do inglês que o Joel e saem por aí rindo da pronúncia do outro?...)

Enfim: essa do Luxemburgo encontrei no G1. Seria hipercorreção? Nesse caso, temos uma vaga noção de que algumas palavras que usamos no dia a dia não são escritas da mesma forma como que falamos. Podemos falar “mío”, mas sabemos que é “milho”, ou “cascaio” ao invés de “cascalho”. Ao assimilar essa “lógica gramatical” de substituir o /i/ de uma fala espontânea pelo policiamento do /λ/, pode produzir-se pérolas, como “telha de aranha”. Cláudio Moreno traz um outro exemplo: o /l/ pelo /r/, como em "carça", "sordado", "marvada" em lugar de “calça”, “soldado” e “malvada”. Na tentativa de se corrigir, quem antes falasse “disfarça” e “armário”, poderia exagerar no anseio de se corrigir e largar um "disfalça" ou "almário".

Esse fenômeno costuma aparecer onde a cultura linguística, popular e espontânea choca-se com uma outra manifestação linguística que tenha um maior respaldo. Imaginemos, por exemplo, alguma comunidade de interior que, acompanhando uma telenovela, percebe a pronúncia utilizada de certos vocábulos como diferente da sua e tentam se “corrigir”. Podemos imaginar também que alguém com a pretensão de manifestar erudição e conhecimento como forma de poder para alguma pessoa ou grupo que detenha, reconhecidamente, essa erudição ou conhecimento. Em ambos os casos – mas poderia imaginar outros! – o resultado pode ser desastroso!

Não é “istudar”, mas “estudar”; tampouco “genti”, mas “gente”. Quem não lembrou agora da Carla Perez e ou seu memorável “i” de “iscola”? Talvez coubesse uma conferida na literatura especializada para classificar com mais propriedade o “descordar” do “discordar”. Pode ser um erro de digitação? Ou uma outra classificação a respeito da similaridade do /e/ átono e do /i/? Sim, pode ser, e talvez seja ainda necessário nem dar tanto alarde a respeito dessa do Luxa. Ainda por cima foi despedido, vamos dar um desconto para ele.

No entanto, errar o endereço do próprio blog, assim? http://uxemburgo.blog.uol.com.br/? Isso sim, é imperdoável...

Mas foi o parágrafo no texto do G1 me incomodou, mais até que o equívoco do recém ex-treinador do Palmeiras. Pode ser até inocência do redator, ao querer justificar o estranhamento que o leitor vai encontrar no print-screen. Mas sua observação revela muito mais:

Luxa também anunciou o seu desligamento do time do Palestra Itália pelo seu twitter com os seguintes dizeres: "Não sou mais técnico do Palmeiras. Fui demitido por descordar das atitudes do Keirrison" - escreveu o treinador, cometendo um pequeno deslize ortográfico ao digitar "descordar" em vez de "discordar".

Posso até estar exagerando, mas a minha leitura aponta esse desejo sádico de quem tem a pretensão de achar que sabe mais que o outro. Vejam a minha superioridade: eu sei escrever certo, e sei que ele – e justo ele, uma celebridade! – não sabe. “Ai meus sais”, já dizia uma antiga personagem de tevê. Pra que isso, hein? Pra quê?

21 de junho de 2009

SURPLUS - Legendado

Aqui no blog eu já postei "A história das coisas" e os dois filmes de "Zeitgeist". Somando-se a esses documentários que se propõem a desvelar mecanismos da sociedade capitalista na qual nos inserimos, sugiro "Surplus" (sugestão, por sua vez, retirada de uma comunidade do Orkut):



"
Estamos aterrorizados em sermos consumidores. Nós temos a liberdade de escolher entre a marca A, a marca B e a marca C... é essa a nossa liberdade".

11 de junho de 2009

"Quem disse que a literatura não incomoda mais?" (1)




(ao lado: imagem de meninos cheirando cola, retirada do filme Última Parada 174, de Bruno Barreto)


"Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico."
(Nelson Rodrigues)

O caso dos livros didáticos em São Paulo

Recentemente, cartilhas escolares do estado de São Paulo foram distribuídas à rede pública com um mapa peculiar: para o governo tucano de José Serra, o mapa da América do Sul contém dois Paraguais, sendo que o Paraguai (do Norte?) está fundido com a Bolívia; ao mesmo tempo em que não há vestígios nem do Equador, tampouco do Uruguai (ou, de acordo com a cartilha, trata-se de um Paraguai mais ao sul). Depois disso, livros contendo expressões como "chupa rola", "cu" e "chupava ela todinha" foram distribuídos pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo como material de apoio a alunos da terceira série do ensino fundamental”, ou seja, para crianças com média de 9 anos de idade.

Não bastasse isso, ainda houve a polêmica com livros de poesia: em um dos casos, uma mãe de aluno procurou a imprensa denunciando que um livro de Manoel de Barros (Memórias inventadas), contendo supostas passagens eróticas, foi distribuído a crianças da 6ª série. O outro caso se refere ao livro "Poesia do Dia -Poetas de Hoje para Leitores de Agora", distribuído às crianças da 3ª série. Entre poemas de diversos autores, encontra-se o tão criticado poema de Joca Reiners Terron. Não que o poema mereça críticas pejorativas – ou, pelo menos nesse caso, não é essa a questão –, mas a sua leitura é tida como inapropriada para crianças:

Manual de auto-ajuda para supervilões

Ao nascer, aproveite seu próprio umbigo e estrangule toda a equipe médica. É melhor não deixar testemunhas.
Não vá se entusiasmar e matar sua mãe. Até mesmo supervilões precisam ter mães.
Se recuse a mamar no peito. Isso amolece qualquer um.
Não tenha pai. Um supervilão nunca tem pai.
Afogue repetidas vezes seu patinho de borracha na banheira, assim sua técnica evoluirá. Não se preocupe. Patos abundam por aí.
Escolha bem seu nome. Maurício, por exemplo. Ou Malcolm.
Evite desde o início os bem intencionados. Eles são super-chatos.
Deixe os idiotas uivarem. Eles sempre uivam, mesmo quando não podem mais abrir a boca.
Odeie. Assim, por esporte. E torça por time nenhum.
Aprenda a cantar samba, rap e jogar dama. Pode ser muito útil na cadeia. Principalmente brincar de dama.
Ginga e lábia, com ardor. Estômago em lugar de coração, pedra no rim em vez de alma.
Tome drogas. É sempre aconselhável ver o panorama do alto.
Fale cuspindo. Super-heróis odeiam isso.
Pactos existem para serem quebrados. Mesmo que sejam com o diabo.
Nunca ame ninguém. Estupre.
Execre o amável. Zele pelo abominável.
Seja um pouco efeminado.
Isto sempre funciona com estilistas.

[In: SARMATZ, Leandro (org.) Poesia do Dia - Poetas de Hoje para Leitores de Agora. São Paulo: Ática, 2008]


A questão não deve ser direcionada no poeta, mas a quem permitiu que fosse distribuído (institucionalmente) às crianças. Antes de tudo, deve-se ressaltar o posicionamento do organizador do livro, o próprio Leandro Sarmatz:

“em todas as matérias sobre o caso, quem foi devidamente crucificado, teve o nome citado à exaustão, foi obrigado a se “explicar” como um daqueles criminosos furrecas em programa mundo-cão da TV às 18h? O desastrado funcionário público? O secretário de educação? O governador do Estado? Não. Coube ao autor de um poema a tarefa aziaga de tentar desfazer o nó que sequer foi amarrado por ele. E que está aí muito antes dele ter pensado e concebido o poema”.

De qualquer jeito, o debate foi parar na imprensa. E jornalistas e aventureiros no jornalismo resolvem desfiar suas críticas e suas “críticas”. Presenciamos por intermédio desses acontecimentos que a poesia é indissociável da sociedade e, portanto, não é simplesmente desinteressada. Não quero jogar tudo nas costas do Joca Terron não: mas a dimensão da institucionalização de seu poema (específico) marcou a politização (nos sentidos amplo e corrente) das leituras.

Abaixo segue uma seleção (aleatória) de alguns comentários sobre a questão e o poema. Sim, deve-se estabelecer essa distinção: uma coisa são opiniões sobre o fato, ou seja, a distribuição de livros para crianças indicados para adolescentes; e outra coisa é o poema e sua temática.

Livro para adolescentes é entregue a crianças em SP
da Folha Online
http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u572983.shtml

Isso nunca foi pornografia!
por Leandro Sarmatz (Portal Luis Nassif)
http://blogln.ning.com/profiles/blogs/isso-nunca-foi-pornografia

Um moralismo rançoso e hipócrita

por Kleber Pereira dos Santos
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=540DAC006

Poesia para crianças
por Luciano Martins Costa
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/oinoradio.asp?id={E69124DF-B805-4060-B5E2-256E4EB27A4B}

O estado da Poesia no Estado de São Paulo: apologia a Joca Reiners Terron!
por C. Guilherme A. Salla
http://guisalla.wordpress.com/2009/05/29/o-estado-da-poesia-no-estado-de-sao-paulo-apologia-a-joca-reiners-terron/

21. Livro para adolescentes é entregue a crianças em SP
por Fábio Takahashi (Folha de SP)
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=63746

Autor diz que texto não é para crianças
por Gilberto Yoshinaga (Agora)
http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/ult10103u572848.shtml

Poesia para crianças da rede pública fala em droga, sexo e estupro
por Milton Jung
http://colunas.cbn.globoradio.globo.com/miltonjung/2009/05/27/poesia-para-criancas-da-rede-publica-fala-em-droga-sexo-e-estupro/

Minha mãe não vem mesmo!
por Toni C.
http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=57865

O jornalista Luciano Martins Costa, por exemplo, atem-se a depreciar o “suposto poema”, como ele mesmo se refere:

"O texto distribuído para crianças de nove anos e que, segundo aceita o jornal, seria apropriado para adolescentes de treze, diz mais ou menos o seguinte, retirados trechos também impróprios para leitura em público:
'Ao nascer, aproveite seu próprio umbigo e estrangule toda a equipe médica'.
Só nessa primeira frase a obra mereceria algum reparo antes de ser selecionada, pois o autor confunde umbigo com o cordão umbilical".

Seus argumentos pífios ignoram, por exemplo, como no trecho selecionado, o uso de metonímia. “E talvez nem possa ser considerado um poema”, enfatiza esse jornalista. Pergunto: porquê? Metonímia e ironia não seriam de uso pertinente em poemas? E além do mais: é possível ignorar toda uma tradição da literatura e o mal? Embora não seja esse o caso: acredito que o referido jornalista tenha superado a fase da puberdade e tenha discernimento em reconhecer uma ironia. Embora eu tenha as minhas dúvidas. Lembra-me o “causo” supostamente ocorrido na ditadura de Pinochet, em que soldados iam atrás de livros subversivos e queimavam “Chapeuzinho Vermelho” mas ignoravam o “Capital” de Marx. Aliás, o que esperar de um jornalista que, aproveitando o gancho, publica ainda no mesmo texto:

"Sem resvalar para o trauma da censura, que a sociedade brasileira tem ojeriza de enfrentar desde o processo de redemocratização, talvez fosse conveniente também avaliar as histórias em quadrinhos e outros conteúdos que são oferecidos nesses suplementos inseridos nos diários".

“Sem resvalar”, mas poderíamos ler nas entrelinhas “já resvalando...”. Olhem só, se não fosse a democratização, a moral e os bons costumes estariam resguardados. Desculpem-me os incrédulos, mas é isso que eu estou lendo nessas linhas do renomado jornalista. E como um ponto de vista sobre a poesia pode denunciar a visão do mundo do sujeito, pois ainda leio nessas linhas: hoje em dia é toda essa roubalheira, essa barbaridade... No tempo dos milicos não era essa promiscuidade... Reitero as desculpas. É isso que eu estou lendo.

Na Folha de São Paulo, Fábio Takahashi faz uma leitura, digamos, mais sóbria dos fatos. Traz a voz do próprio Terron sobre os fatos ("Não é para crianças de nove anos. São várias ironias, que elas não entendem" e “Espero que o Serra [governador José Serra] não ache o texto um horror, como ele disse do outro livro. Horror é quem escolhe essas obras para crianças"), além de opiniões, em princípio respeitando a contradição. É justamente nesse ponto que, após lermos a posição do Professor Vitor Paro, da Faculdade de Educação da USP, que atribui a escolha do livro para crianças como incompetência e ignorância do governo por avaliar o livro apenas depois da imprensa noticiar, lemos a seguinte pérola:

"A coordenadora do curso de pedagogia da Unicamp, Angela Soligo, classifica como 'um horror' o poema. 'Tem uma ironia que talvez só o adulto entenda. É totalmente desnecessário para uma escola'. 'Já é o segundo caso. Os professores ficam inseguros com o material', disse ela".

Isso me lembra outro caso: o de professores do ensino básico aqui de Santa Maria da Boca do Monte que se recusavam a trabalhar em sala de aula o Vôo da Madrugada, livro de contos de Sérgio Sant’Anna, que na ocasião constava como uma das leituras obrigatórias do vestibular da UFSM. Por quê? Por que contém uma série de palavrões? Pelo menos a professora Angela supõe que “talvez” só um adulto entenda. O jornalista Luciano Martins Costa não entendeu, ou se fez que não entendeu.

Talvez a melhor resposta a esse tipo de “opinião” seja o texto de Guilherme Salla, da qual extraio o seguinte trecho:

"Aliás, é mesmo uma vergonha expor nossas crianças de nove anos ao sexo e às palavras chulas da poesia e artes contemporâneas dentro do ambiente escolar… é melhor que elas tenham estas experiências sozinhas, por si próprias nas ruas e em suas casas para que, aos doze ou treze engravidem e possam ir cuidar de suas próprias vidinhas…"

Uma síntese? HIPOCRISIA. Talvez o Salla exagere para o outro extremo, talvez não. Mas banir o poema do Terron do estado zé-serrado, duvidando de sua poesia (ao menos por essa via duvidosa de leitura) e não reconhecendo a recomendação para adolescentes é por pura hipocrisia. É um horror ler o poema do Terron, mas Vinícius de Morais, Manuel Bandeira ou Carlos Drummond é permitido. E Jorge Amado, imagina se algum estudante ler? De Alexandre Dumas a Dostoiévski, um perigo! Sem falar que o décimo canto dos Lusíadas e O Cortiço existem em qualquer biblioteca pública e estão disponíveis no portal de Domínio Público.

Uma leitura ponderada? Recomendo a Kléber Pereira dos Santos faz. E o que ele diz? O que me parece óbvio: trata-se apenas de uma reclassificação etária. Palavrões, pornografias e demais manifestações tidas como politicamente incorretas: que criança está isenta delas?

“Qualquer pelada entre moleques descalços é uma sinfonia de palavrões maior do que existe em todas as páginas da HQ criticada e imagens pornográficas são distribuídas às nossas castas meninas usuárias de calças hiper-justas por toda cidade nas lonas improvisadas dos vendedores de DVDs piratas (sem classificação etária, até apelidam os pornôs de "educativos"... não deixam de ser, de certo modo). Um moleque, mesmo o da faixa etária que realmente não deveria ter os ditos livros em mãos, se mora na Cidade Tiradentes sabe muito bem o que é o PCC. Uma menina de 13 anos hoje não só sabe palavrões escabrosos e detalhes minuciosos sobre o ato sexual como convive com amigas barrigudinhas, e não por causa de muitos Mclanches felizes ou de livros "obscenos" – talvez por causa da falta deles, para as fazerem ter um mínimo de juízo antes de iniciarem a vida sexual”.

Por fim: “E aí? Vamos queimar a obra de Platão em praça pública ou banir os poetas da república?”, como nos pergunta C. Guilherme A. Salla.

8 de junho de 2009

"Teu passado é uma bandeira, teu presente, uma lição..."