literatura, política, cultura e comportamento.
seja em santa maria, em alegrete, no rio de janeiro, em osório ou em liechtenstein.
na verdade, tanto faz.

22 de dezembro de 2009

“Sem forma revolucionaria não há arte revolucionária”


Entrevistas interessantíssimas encontrei no blog de Geneton Moraes Neto (http://colunas.g1.com.br/geneton/), entrevistas que não consegui parar de ler se já começava a lê-las. Hesitei em reproduzir alguma que fosse aqui no blog; mas como realmente fiquei surpreendido com as entrevistas que li, acredito ser uma forma de dividir com os amigos esses textos. Entre vários, resolvi reproduzir esse em especial, que trata do museu do poeta russo Vladimir Maiakóvski.

“O BARCO DO AMOR QUEBROU-SE CONTRA A VIDA COTIDIANA.É INÚTIL PASSAR EM REVISTA AS DORES, OS INFORTÚNIOS E OS ERROS RECÍPROCOS. SEJAM FELIZES”
Postado por Geneton Moraes Neto em 24 de novembro de 2009 às 22:40
Anotação de uma visita ao museu que homenageia um grande poeta em Moscou:

A poucos passos da antiga sede da KGB, a famigerada polícia secreta dos tempos do regime soviético, o forasteiro encontrará, preservado, um discreto monumento à poesia : o quarto onde vivia Vladimir Maiakóvski, autor de versos épicos e geniais. Não existe lugar melhor para celebrar a beleza trágica da vida do maior poeta russo do século vinte.

Tudo
o que quero
é um palmo de terra
ao lado
dos mais pobres
camponeses e obreiros.
Porém
se vocês pensam
que se trata apenas
de copiar
palavras a esmo,
eis aqui,camaradas,
minha pena,
podem
escrever
vocês mesmos !

Uma pequena legião de fãs Maiakóvskinianos desembarca todos os dias neste endereço que vem se tornando cult,em pleno centro de Moscou. Uma placa aponta para um pátio, no início da rua Myatninskaya. O visitante que deixar a calçada rumo ao pátio interno de um prédio desbotado terá uma surpresa. O pátio dá acesso a um dos mais originais, irreverentes e anticonvencionais museus abertos nos últimos anos na Rússia.

Perdidos em disputas monótonas,
buscamos o sentido secreto,
quando um clamor sacode os objetos :
Dai-nos novas formas !”
Não há mais tolos boquiabertos
esperando a palavra do “mestre”.
Dai-nos,camaradas,uma arte nova
— nova —
que arranque a República da escória.

O Museu Maiakóvski abriu suas portas em 1990 – quando o comunismo já agonizava sob os escombros do Museu de Berlim. Virou ponto de peregrinação de fãs de Maiakóvski, principalmente porque foi lá que o poeta morou, entre l9l9 e l930, num quarto modesto onde viria a morrer.
Os quatro andares do prédio onde ficava o quarto de Maiakóvski foram transformados em museu, administrado pelo Estado. Ao contrário do que acontece em museus instalados em casas onde viveram escritores – em geral, marcados pelo tom austero e solene – o Museu Maiakóvski dá asas ao delírio.


Bebe e celebra! Desata
nas veias a primavera !
Coração, bate a combate!
O peito – bronze de guerra.

O Museu quer reproduzir,numa espécie de ”instalação” que poderia ser perfeitamente montada numa dessas bienais de artes plásticas,o que se passava pela ”imaginação em chamas do poeta”. Assim,objetos que pertenceram a Maiakóvski,como manuscritos e até boletins escolares, são expostos de uma maneira que pode confundir visitantes desatentos. É esta exatamente a intenção do Museu : provocar espanto no visitante.
Cadeiras estão suspensas no ar. Uma estante de vidros quebrados parece enterrada no chão. Surrealismo puro. A porta de uma cadeia é a maneira de informar que Maiakóvski ficou preso por nove meses por ter ajudado presos políticos a fugir.Um dossiê policial registra,ainda na primeira década do século,as atividades do subversivo Maiakóvski,na Rússia pré-revolucionária. Bolas azuis jogadas no trajeto dos visitantes são uma citação ao futurismo.

Depois de descobrir o futurismo na Escola de Pintura e Escultura de Moscou, Maiakóvski foi um dos autores de um manifesto que pedia “um tapa na rosto do gosto do público”. Bustos clássicos espalhados pelo chão testemunham a necessidade de estilhaçar velhas formas da criação artística: “Sem forma revolucionaria não há arte revolucionária”. Seis fuzis apontam para o céu.
O poeta chegou a fazer um apelo para ser recrutado pelo Exército. Depois de percorrer os quatro lances da instalação delirante, o visitante chegará ao pequeno quarto de pensão que exibe, na porta, o nome do poeta. O cenário é modesto: um sofá, um baú azul, uma estante de quatro prateleiras, uma foto de Lênin na parede. É tudo despojado e simples, como convém a um poeta que escreveu:


Os versos
para mim
não deram rublos,
nem mobílias
de madeiras caras.
Uma camisa
lavada e clara
e basta -
para mim é tudo.
Ao Comitê Central
do futuro ofuscante,
sobre a malta dos vates
velhacos e falsários,
apresento
em lugar
do registro partidário
todos
os cem tomos
dos meus livros militantes.

Ao lado do quarto de Maiakóvski, o chão foi pintado de amarelo. Há portas vermelhas entreabertas. O visitante que desembarcar neste estranho mas fascinante museu terá como guia um personagem que parece saído de um dos versos do poeta : uma mulher de 74 anos,chamada Maria Leonietvna. Depois de ler um aviso de que o museu estava à procura de ”trabalhadores idosos”,esta ex-professora se apresentou. Contratada,virou especialista em Maiakóvski.
Aos visitantes, ela explicará que durante anos a vizinha KGB, “por razões de segurança”, era contrária à instalação de um Museu no local onde Maiakóvski viveu e morreu. “Desde que Maiakóvski morreu, ninguém voltou a morar no quarto que ele ocupava. Era propriedade do Estado” – dirá a paciente guia. Entusiasmada com a narrativa da odisséia do poeta na Rússia conflagrada das primeiras décadas do século, Maria Leonietvna vai guiando os navegadores entre um e outro cenário do planeta maiakovskiniano instalado no centro de Moscou:
— “Maiakóvski era uma figura contraditória sob todos os aspectos. Rejeitava o amor burguês, mas amou uma mulher de origem burguesa. Temos um ícone de Nossa Senhora no Museu: Maiakóvski era ateu, mas se voltou para a idéia de Deus. Rejeitava o Estado, mas serviu ao Estado. Fez versos e pinturas triunfalistas sobre a Rússia. Stálin vetou Maiakóvski, porque ele tinha escrito um poema dedicado a Lênin. Quando Stálin devolveu Maiakóvski à vida russa, pensou que Maiakóvski escreveria um poema de louvor a ele. Mas Maiakóvski não escreveu” – diz a guia.
Tanto tempo depois, visitantes anônimos percorrem este pequeno território no centro de Moscou. O capítulo final pode ter sido – e foi – trágico. Mas Maiakóvski é lembrado como o poeta vital, épico, rebelde, que celebrava o Comitê Central do Futuro em versos gritados como estes, em que dialoga com o sol:


(…) Vamos, poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.

Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.

Maiakóvski – que enfiaria um balaço no peito no dia quatorze de abril de 1930, aos trinta e seis anos de idade - produziu em 1926 um poema belíssimo em homenagem a Serguei Iessienin, um poeta e amigo que se matara três dias depois do Natal de 1925. Não se sabe o que é maior ali: se a tragédia de um suicídio consumado (e outro antevisto) ou se a beleza de versos encharcados de dor e esperança. Maiakóvski passou três meses escrevendo os versos de ”A Serguei Iessienin”.
Haroldo de Campos traduziu assim o canto de Maiakóvski ao amigo morto:


Por enquanto
há escória de sobra.
O tempo é escasso-
mãos à obra.
Primeiro
é preciso
transformar a vida,
para cantá-la -
em seguida.
(…) Para o júbilo
o planeta
está imaturo.
É preciso
arrancar alegria ao futuro.
Nesta vida
morrer não é difícil.
O difícil
é a vida e seu ofício.

Iessienin tinha deixado, como despedida, versos belos mas desesperançados – escritos, literalmente, com sangue, num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado. Depois de cortar os pulsos e escrever os versos finais, Iessienin se enforcou.
A tradução de Augusto de Campos para os versos de Iessienin foi publicada no volume “Maiakóvski/Poemas”, um pequeno tesouro organizado a seis mãos por Boris Schnaiderman e pelos irmãos Campos para a Editora Perspectiva, em São Paulo, em 1983:


Até logo,até logo,companheiro
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
é sinal de um encontro no futuro.
Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo,
tampouco há novidade em estar vivo”.

Cinco anos depois, o próprio Maiakóvski se matou. O bilhete de despedida dizia:
“O incidente está encerrado. O barco do amor quebrou-se contra a vida cotidiana. Estou quite com a vida. É inútil passar em revista as dores, os infortúnios e os erros recíprocos. Sejam felizes”.

8 de dezembro de 2009

Reorganizando o itinerário


Exibir mapa ampliado

Enfim, agora só resta confirmar o pouso em Niterói.

Ia de ônibus, aproveitando a viagem para visitar amigos e conhecer lugares, mas ao final de contas vou e volto do Rio num avião.

Tive problemas para comprar a passagem pela internet. Daí fui até o aeroporto, onde acabei comprando a ida e a volta por R$60 a menos que o previsto, e em horários melhores que os previstos.

Assim, parto de Porto Alegre dia 13/12 às 6h30, e chego na capital gaúcha de novo às 22h do dia 21/12.

Contatos, de preferência por email ou SMS.

De resto, saiu um artigo meu no Jornal de Artes de Osório, que contou com a participação do Maico Silveira no processo de composição. Em breve publicaremos os meandros dessa parceria.

Estive com a Taise aqui em Porto Alegre... A saudade da família e da casa é enorme...

Mas tá valendo, tá valendo...

27 de novembro de 2009

Itinerante

Amigos. Esse mês de novembro pouco pude colaborar no blog, e dezembro dificilmente terá uma atualização efetiva. Não que falte assunto, longe disso. Mas esse é mais um daqueles momentos decisivos em que temos que rever prioridades. Em breve saio daqui de casa, do aconchego do lar, e vou com uma mochila nas costas, muitas idéias na cabeça e sem uma câmera na mão, buscar opções para o ano que vem. Por um lado, com muita saudade da Taise e do Miguel; por outro, na expectativa dos amigos a rever e a conhecer. Tentarei, na medida do possível, estar acessando o e-mail e o blog. O telefone ainda não sei se o levarei. Se por acaso houver quem possa me conseguir pouso e carona, agradeço. Abraços...

6 de novembro de 2009

"Quem disse que a literatura não incomoda mais?" (3)

"Caim e Abel", c. 1620, atribuí­do a Simon Vouet e Pietro Novelli. Óleo sobre tela - 198 x 147 cm. Galleria Nazionale d'Arte Antica, Roma.

Feliz vai também caim, já a sonhar com um almoço no campo, entre verduras, fugidios carreirinhos de água e passarinhos a sinfonizar nas ramagens. À mão direita do caminho, além, vê-se uma fila de árvores de bom porte que promete a melhor das sombras e das sestas. Para lá tocou caim o jumento. O sítio parecia ter sido inventado de propósito para refrigério de viajantes fatigados e respectivas bestas de carga. Paralela às árvores havia uma fileira de arbustos tapando o carreiro estreito que subia em direcção ao teso da colina. Aliviado do peso dos alforges, o jumento tinha-se entregado às delícias da erva fresca e de alguma rústica flor tresmalhada, sabores estes que jamais lhe tinham passado pela goela. Caim escolheu tranquilamente a ementa e ali mesmo comeu, sentado no chão, rodeado de inocentes pássaros que debicavam as migalhas, enquanto as recordações dos bons momentos vividos nos braços de lilith voltavam a aquecer-lhe o sangue. Já as pálpebras tinham começado a pesar-lhe quando uma voz juvenil, de rapaz, o fez sobressaltar, Ó pai, chamou o moço, e logo uma outra voz, de adulto de certa idade, perguntou, Que queres tu, isaac, Levamos aqui o fogo e a lenha, mas onde está a vítima para o sacrifício, e o pai respondeu, O senhor há-de prover, o senhor há-de encontrar a vítima para o sacrifício. E continuaram a subir a encosta. Ora, enquanto sobem e não sobem, convém saber como isto começou para comprovar uma vez mais que o senhor não é pessoa em quem se possa confiar.
Há uns três dias, não mais tarde, tinha ele dito a abraão, pai do rapazito que carrega às costas o molho de lenha, Leva contigo o teu único filho, isaac, a quem tanto queres, vai à região do monte mória e oferece-o em sacrifício a mim sobre um dos montes que eu te indicar. O leitor leu bem, o senhor ordenou a abraão que lhe sacrificasse o próprio filho, com a maior simplicidade o fez, como quem pede um copo de água quando tem sede, o que signifi ca que era costume seu, e muito arraigado. O lógico, o natural, o simplesmente humano seria que abraão tivesse mandado o senhor à merda, mas não foi assim. Na manhã seguinte, o desnaturado pai levantou-se cedo para pôr os arreios no burro, preparou a lenha para o fogo do sacrifício e pôs-se a caminho para o lugar que o senhor lhe indicara, levando consigo dois criados e o seu filho isaac. No terceiro dia da viagem, abraão viu ao longe o lugar referido. Disse então aos criados, Fiquem aqui com o burro que eu vou até lá adiante com o menino, para adorarmos o senhor e depois voltamos para junto de vocês. Quer dizer, além de tão filho da puta como o senhor, abraão era um refinado mentiroso, pronto a enganar qualquer um com a sua língua bífida, que, neste caso, segundo o dicionário privado do narrador desta história, significa traiçoeira, pérfida, aleivosa, desleal e outras lindezas semelhantes.
Chegando assim ao lugar de que o senhor lhe tinha falado, abraão construiu um altar e acomodou a lenha por cima dele. Depois atou o filho e colocou-o no altar, deitado sobre a lenha. Acto contínuo, empunhou a faca para sacrificar o pobre rapaz e já se dispunha a cortar-lhe a garganta quando sentiu que alguém lhe segurava o braço, ao mesmo tempo que uma voz gritava, Que vai você fazer, velho malvado, matar o seu próprio filho, queimá-lo, é outra vez a mesma história, começa-se por um cordeiro e acaba-se por assassinar aquele a quem mais se deveria amar, Foi o senhor que o ordenou, foi o senhor que o ordenou, debatia-se abraão, Cale-se, ou quem o mata aqui sou eu, desate já o rapaz, ajoelhe e peça-lhe perdão, Quem é você, Sou caim, sou o anjo que salvou a vida a isaac. Não, não era certo, caim não é nenhum anjo, anjo é este que acabou de pousar com um grande ruído de asas e que começou a declamar como um actor que tivesse ouvido finalmente a sua deixa, Não levantes a mão contra o menino, não lhe faças nenhum mal, pois já vejo que és obediente ao senhor, disposto, por amor dele, a não poupar nem sequer o teu filho único, Chegas tarde, disse caim, se isaac não está morto foi porque eu o impedi.
O anjo fez cara de contrição, Sinto muito ter chegado atrasado, mas a culpa não foi minha, quando vinha para cá surgiu-me um problema mecânico na asa direita, não sincronizava com a esquerda, o resultado foram contínuas mudanças de rumo que me desorientavam, na verdade vi-me em papos-de-aranha para chegar aqui, ainda por cima não me tinham explicado bem qual destes montes era o lugar do sacrifício, se cá cheguei foi por um milagre do senhor, Tarde, disse caim, Vale mais tarde que nunca, respondeu o anjo com prosápia, como se tivesse acabado de enunciar uma verdade primeira, Enganas-te, nunca não é o contrário de tarde, o contrário de tarde é demasiado tarde, respondeu-lhe caim. O anjo resmungou, Mais um racionalista, e, como ainda não tinha terminado a missão de que havia sido encarregado, despejou o resto do recado, Eis o que mandou dizer o senhor, Já que foste capaz de fazer isto e não poupaste o teu próprio filho, juro pelo meu bom nome que te hei-de abençoar e hei-de dar-te uma descendência tão numerosa como as estrelas do céu ou como as areias da praia e eles hão-de tomar posse das cidades dos seus inimigos, e mais, através dos teus descendentes se hão-de sentir abençoados todos os povos do mundo, porque tu obedeceste à minha ordem, palavra do senhor. Estas, para quem não o saiba ou finja ignorá-lo, são as contabilidades duplas do senhor, disse caim, onde uma ganhou, a outra não perdeu, fora isso não compreendo como irão ser abençoados todos os povos do mundo só porque abraão obedeceu a uma ordem estúpida, A isso chamamos nós no céu obediência devida, disse o anjo.
Coxeando da asa direita, com um mau sabor de boca pelo fracasso da sua missão, a celestial criatura foi-se embora, abraão e o filho também já lá vão a caminho do lugar onde os esperam os criados, e agora, enquanto caim ajeita os alforges no lombo do jumento, imaginemos um diálogo entre o frustrado verdugo e a vítima salva in extremis. Perguntou isaac, Pai, que mal te fiz eu para teres querido matar-me, a mim que sou o teu único filho, Mal não me fizeste, isaac, Então por que quiseste cortar-me a garganta como se eu fosse um borrego, perguntou

TRATA-SE de um trecho divulgado pela Folha On-line de Caim, de José Saramago, recém lançado. Segundo informações dadas pelo próprio jornal, o livro questiona a tradição e valores bíblicos ao se por a narrar o período do Antigo Testamento que vai da criação ao dilúvio. Anos depois de publicar o “Evangelho segundo Jesus Cristo” e provocar indignações da ICAR, o prêmio Nobel de Literatura volta a abordar temas bíblicos e declara estar mudando mudar de postura: "As insolências reacionárias da Igreja Católica precisam ser combatidas com a insolência da inteligência viva, do bom senso, da palavra responsável. Não podemos permitir que a verdade seja ofendida todos os dias por supostos representantes de Deus na Terra, os quais, na verdade, só tem interesse no poder", afirmou. Na ocasião da publicação do “Evangelho”, Sousa Lara, na época subsecretário de estado da Cultura de Portugal, considerou o livro ofensivo para as tradições religiosas de seu povo e o fez retirar da lista para o prêmio europeu de Literatura. Eis o que o levou, talvez, a auto exilar-se de Portugal, buscando refúgio (o sossego para seu espírito literário), na ilha espanhola de Lanzarote (NPDiário.com).

Saramago tem dado afirmações um tanto polêmicas sobre a bíblia:
- "A bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana"
- "Sem a bíblia, um livro que teve muita influência em nossa cultura e até em nossa maneira de ser, os seres humanos seriam provavelmente melhores", completou.
- O romancista denunciou "um deus cruel, invejoso e insuportável, que existe apenas em nossas mentes", e afirmou que sua obra não causará problemas com a igreja católica "porque os católicos não lêem a bíblia".

Na mesma esteira, o escritor português dirige-se diretamente a Bento XVI: "Que Ratzinger tenha a coragem de invocar Deus para reforçar seu neomedievalismo universal, um Deus que ele jamais viu, com o qual nunca se sentou para tomar um café, mostra apenas o [seu] absoluto cinismo intelectual". Ainda segundo Saramago, a igreja não se importa com o destino das almas e sempre buscou o controle de seus corpos.
A ICAR se manifestou: o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Marujão, chamou o livro de "operação publicitária": “Um escritor da dimensão de José Saramago deveria tomar um caminho mais sério. Pode fazer críticas, mas entrar em um gênero de ofensas não fica bem a ninguém, e muito menos a um Prêmio Nobel". A questão é determinar onde está esse limite entre a crítica e a ofensa para a ICAR, e qual a sua auto-avaliação quanto às “críticas”.

"Admito que o livro pode irritar os judeus, mas pouco me importa", afirma Saramago, ao supor que sua obra não causará problemas com a Igreja Católica "porque os católicos não lêem a Bíblia". Nesse sentido, manifesta-se também a comunidade judaica: "o mundo judeu não vai se escandalizar com os escritos de Saramago nem de ninguém", e "Saramago desconhece a Bíblia e sua exegese. Faz leituras superficiais da Bíblia", disse o rabino Elieze du Martino, representante da comunidade judaica de Lisboa. Talvez seja essa a melhor reação às provocações de Saramago, de quase indiferença.

A pior – mais exdrúxula – talvez tenha sido a reação no Parlamento Europeu. O deputado da bancada social-democrata Mário David, médico de formação, disse ter vergonha de Saramago e pediu a renúncia pelo escritor de sua cidadania portuguesa: "José Saramago, há uns anos, fez a ameaça de renunciar à cidadania portuguesa. Na altura, pensei quão ignóbil era esta atitude. Hoje, peço-lhe que a concretize... E depressa! Tenho vergonha de o ter como compatriota! Ou julga que, a coberto da liberdade de expressão, se lhe aceitam todas as imbecilidades e impropérios?". Ainda acusando Saramago de ter se deslumbrado com o Nobel, o deputado afirma que esse prêmio "não lhe confere a autoridade para vilipendiar povos e confissões religiosas, valores que certamente desconhece mas que definem as pessoas de bom carácter." Certamente para o nobre deputado, ateus devem ser automaticamente pessoas más. Sobre esse assunto, tem um ótimo vídeo do ateu Dráuzio Varella (médico da Globo), que dispensa qualquer devaneio meu nesse sentido:



SYLVIA COLOMBO faz aqui uma leitura no mínimo convidativa: José Saramago usa Caim para atacar Deus

Aqui, bate-rebate:
"Saramago, já chega" -
blog de Mário David
"Carta aberta ao eurodeputado Mário David" - Helder Sanchez, pelo Movimento ateísta português
"Mário David, já chega" - Blog Costa Rochosa
"Para fechar sobre Saramago" - blog de Mário David

Eis mais um trecho divulgado pela Folha, em que Saramago descreve a criação de Adão e Eva pelo Senhor, o desenvolvimento das "incomodidades do ser", a evolução dos hormônios do homem e da mulher e a geração dos seus filhos.


Quando o Senhor, também conhecido como Deus, se apercebeu de que a Adão e Eva, perfeitos em tudo o que apresentavam à vista, não lhes saía uma palavra da boca nem emitiam ao menos um simples som primário que fosse, teve de ficar irritado consigo mesmo, uma vez que não havia mais ninguém no jardim do Éden a quem pudesse responsabilizar pela gravíssima falta, quando os outros animais, produtos, todos eles, tal como os dois humanos, do faça-se divino, uns por meio de mugidos e rugidos, outros por roncos, chilreios, assobios e cacarejos, desfrutavam já de voz própria. Num acesso de ira, surpreendente em quem tudo poderia ter solucionado com outro rápido fiat, correu para o casal e, um após outro, sem contemplações, sem meias-medidas, enfiou-lhes a língua pela garganta abaixo. Dos escritos em que, ao longo dos tempos, vieram sendo consignados um pouco ao acaso os acontecimentos destas remotas épocas, quer de possível certificação canônica futura ou fruto de imaginações apócrifas e irremediavelmente heréticas, não se aclara a dúvida sobre que língua terá sido aquela, se o músculo flexível e úmido que se mexe e remexe na cavidade bucal e às vezes fora dela, ou a fala, também chamada idioma, de que o Senhor lamentavelmente se havia esquecido e que ignoramos qual fosse, uma vez que dela não ficou o menor vestígio, nem ao menos um coração gravado na casca de uma árvore com uma legenda sentimental, qualquer coisa no gênero amo-te, Eva. Como uma coisa, em princípio, não deveria ir sem a outra, é provável que um outro objetivo do violento empurrão dado pelo Senhor às mudas línguas dos seus rebentos fosse pô-las em contato com os mais profundos interiores do ser corporal, as chamadas incomodidades do ser, para que, no porvir, já com algum conhecimento de causa, pudessem falar da sua escura e labiríntica confusão a cuja janela, a boca, já começavam elas a assomar. Tudo pode ser. Evidentemente, por um escrúpulo de bom artífice que só lhe ficava bem, além de compensar com a devida humildade a anterior negligência, o Senhor quis comprovar que o seu erro havia sido corrigido, e assim perguntou a Adão, Tu, como te chamas, e o homem respondeu, Sou Adão, teu primogênito, Senhor. Depois, o criador virou-se para a mulher, E tu, como te chamas tu, Sou Eva, Senhor, a primeira dama, respondeu ela desnecessariamente, uma vez que não havia outra. Deu-se o Senhor por satisfeito, despediu-se com um paternal Até logo, e foi à sua vida. Então, pela primeira vez, Adão disse para Eva, Vamos para a cama.
Set, o filho terceiro da família, só virá ao mundo cento e trinta anos depois, não porque a gravidez materna precisasse de tanto tempo para rematar a fabricação de um novo descendente, mas porque as gônadas do pai e da mãe, os testículos e o útero respectivamente, haviam tardado mais de um século a amadurecer e a desenvolver suficiente potência generativa. Há que dizer aos apressados que o fiat foi uma vez e nunca mais, que um homem e uma mulher não são máquinas de encher chouriços, os hormônios são coisa muito complicada, não se produzem assim do pé para a mão, não se encontram nas farmácias nem nos supermercados, há que dar tempo ao tempo. Antes de Set tinham vindo ao mundo, com escassa diferença de tempo entre eles, primeiro Caim e depois Abel. O que não pode ser deixado sem imediata referência é o profundo aborrecimento que foram tantos anos sem vizinhos, sem distrações, sem uma criança gatinhando entre a cozinha e o salão, sem outras visitas que as do Senhor, e mesmo essas pouquíssimas e breves, espaçadas por longos períodos de ausência, dez, quinze, vinte, cinquenta anos, imaginamos que pouco haverá faltado para que os solitários ocupantes do paraíso terrestre se vissem a si mesmos como uns pobres órfãos abandonados na floresta do universo, ainda que não tivessem sido capazes de explicar o que fosse isso de órfãos e abandonos. É verdade que dia sim, dia não, e este não com altíssima frequência também sim, Adão dizia a Eva, Vamos para a cama, mas a rotina conjugal, agravada, no caso destes dois, pela nula variedade nas posturas por falta de experiência, já então se demonstrou tão destrutiva como uma invasão de carunchos a roer a trave da casa. Por fora, salvo alguns pozinhos que vão escorrendo aqui e ali de minúsculos orifícios, o atentado mal se percebe, mas lá por dentro a procissão é outra, não tardará muito que venha por aí abaixo o que tão firme havia parecido. Em situações como esta, há quem defenda que o nascimento de um filho pode ter efeitos reanimadores, senão da libido, que é obra de químicas muito mais complexas que aprender a mudar uma fralda, ao menos dos sentimentos, o que, reconheça-se, já não é pequeno ganho. Quanto ao Senhor e às suas esporádicas visitas, a primeira foi para ver se Adão e Eva haviam tido problemas com a instalação doméstica, a segunda para saber se tinham beneficiado alguma coisa da experiência da vida campestre e a terceira para avisar que tão cedo não esperava voltar, pois tinha de fazer a ronda pelos outros paraísos existentes no espaço celeste.

Informações e excertos foram retirados majoritariamente do jornal Folha de S.Paulo.

Poemas para serem relidos - Manuel Bandeira

Ainda hoje escrevi para um amigo palavras que me perturbaram. Eu dizia-lhe: "são nesses momentos de fragilidade do homem que nos perguntamos o que é a vida e qual o seu objetivo. Pela fragilidade do homem nos colocamos a pensar a nossa própria vida, como homens que somos, de trajetos incertos mas de destino único". Ainda acrescentei: "pessoas, lugares e momentos constituem a nossa história e nos fazem ser o que somos hoje: quando esses elementos que nos constituem faltam, é como se partes de nós mesmos tivessem se perdido para o sempre".
Na tentativa de expurgação de meus demônios interiores, resolvi postar esses poemas de Bandeira.
Por não querer vincular o amigo ao assunto, evitei referi-lo.
E a foto acima é de Carlos Orellana.

Profundamente

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

*

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.


Momento Num Café


Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta

(BANDEIRA, Manuel. Libertinagem & Estrela da manhã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000).

26 de outubro de 2009

“Realpolitik”



Em recente entrevista ao jornal Folha de São Paulo (10/2009), o presidente Lula fez uma afirmação de que o papel da imprensa é o de informar, não o de fiscalizar. Sua referência é aos próprios órgãos de fiscalização governamentais e, em outra instância, aos poderes legislativos e judiciários.

Ao passo que o poder político é dado pelo povo em sistema de representatividade (considerando a sua fragilidade), e as instâncias jurídicas e policiais passam pela admissão pública (que está em jogo o perfil de profissional que a res publica precisa), a imprensa está livre dessa legitimação pública, exceto pelo valor de mercado. Ou seja: ainda que possa haver distorções, em princípio no estado democrático os três poderes passam (direta ou indiretamente) por uma legitimação pública; o chamado quarto poder, a mídia, não. E ela está na nossa vida, nos ditando modelos e opiniões, ainda que não queiramos pagar por ela: basta ligar a televisão no horário do almoço ou do jantar.

E quem dá essa legitimação de poder à imprensa? Não me refiro aos espectadores, essa massa bovina e acrítica que somos levados a ser; mas a quem a financia. Lendo a ótima entrevista do delegado Protógenes Queirós à Carta Capital (dez/2008), ao se referir ao caso Daniel Dantas, ele cita Marx no seguinte comentário:

Daniel Dantas representa um poder ainda invisível. É visível à medida que começamos a aprofundar a investigação. Ou até num debate público, aí as pessoas começam a se revelar. Marx dizia “os quadros da sociedade começam a se revelar através de um processo público em que as pessoas se posicionam”. Alguns com um ideal, outros com outro ideal. Às vezes me dizem “estão criticando a Satiagraha, a verdade é que foi um sucesso, pautou-se pela lei, pelas regras do direito penal brasileiro, pela Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro Brasileiro. Tanto que vamos ter uma condenação em breve. Significa que o resultado das investigações foi legal.

Posicionamento: é ao se posicionar (ou não!) que se desvelam os jogos de interesse. Ideologia: não é restrita à posição explicitamente política, mas subordina o modo como que as pessoas vêem o mundo. Ou seja, nossa ideologia se revela perante nossa posição em relação ao mundo. Mas os interesses podem vir a ser reais ou manipulados (agora sim, me refiro aos espectadores, essa massa bovina e acrítica que somos levados a ser). Talvez esteja aí o real sentido da afirmação de que a religião, para Marx, é o ópio do povo. Talvez fosse no contexto e história européias; talvez, hoje, século XXI, o ópio do povo sejam os meios de comunicação, informação e entretenimento de massa. Será que não?

Acima, um vídeo no mínimo, interessante: um espaço de debate entre jornalistas globais. Ao invés de dar notícias com ares de imparcialidade, em que fica claro o desejo de passar por factual o que é de natureza opinativa, eles estão colocando as cartas na mesa, ou seja, revelando a sua posição. Ideológica.

24 de outubro de 2009

Não se fume!

Sou levado a ser favorável à proposta de coibir o fumo em ambientes fechados. E não é uma coisa de opção do estabelecimento, oferta de alternativas ao fumante ou criação de espaços alternativos, como há hoje. Pois, ainda que haja a área de fumantes e de não-fumantes em um estabelecimento comercial, por exemplo, o trabalhador do local (imaginemos um garçom) transita por todas as áreas e não têm voz nesse debate.

Tenho visto um esforço em potilizar esse debate: primeiro, o fato de ter sido o governo tucano de São Paulo a ter proposto essa medida. Dessa forma, estaria em jogo uma falsa dicotomia entre a direita “saudável” e a esquerda “fumante”. As coisas não podem ser colocadas dessa forma, pois tornaria o debate muito raso. De outra forma, haveria uma “perseguição” ao fumante, como que criminalizando o ato de fumar. E, aproximando essa discussão à da legalização de drogas, estaria em debate a autonomia do sujeito sobre o próprio corpo.

É claro para mim que a restrição ao uso de drogas (ressalta-se: lícitas e ilícitas) passa pela liberdade individual e o conseqüente risco à saúde e vida de outras pessoas. E quem teria autoridade para intervir nesses tênues limites da liberdade individual é o estado. Se há os que querem a liberdade de fumar, há os que querem a liberdade de não fumar passivamente. E, reitero: não se trata de uma simples separação de espaços, pois há os que transitam entre os ambientes sem poder intervir.

Penso inclusive que o foco da lei está no fumante, ao passo que deveria estar no processo de fabricação dos cigarros. Afinal, o processo de plantio e colheita de fumo são altamente prejudiciais aos agricultores, sobretudo ao considerarmos que a origem dessas folhas são frequentemente da agricultura familiar; ou seja, está em jogo a exposição de crianças aos malefícios da produção do fumo.

Logicamente que se trata de questões delicadas a esse respeito. Se o estado tem esse poder para intervir nas escolhas do sujeito? Cabe considerar como outros países já trataram desse assunto e a que resultados chegaram. Em jogo deve estar o exercício da alteridade e da tolerância, para se conseguir um debate frutífero. Enquanto isso, confiram acima a campanha (supercriativa) que está sendo veiculada na ULBRA TV.

22 de outubro de 2009

Simon, ¿por qué no te callas?

Essa imagem e texto são parte da capa do jornal O Sul, data de hoje. Nela, está estampada a tentativa de azedar as relações entre PT e PMDB. Que o PMDB representa muito da política retrógrada do país e do nosso estado, isso é fato. Porém, o PMDB não se reduz a isso: hoje o PMDB é o maior partido do Brasil porque é um enorme saco de gatos, ou seja, tem de tudo. Além do mais, o PMDB tem sempre jogado com quem está ganhando, fruto de um projeto de nação frágil, que não permite com que se tenha consolidada uma unidade partidária nacional.

No entanto, a parceria PMDB e PT tem funcionado nos altos escalões do governo. A dimensão do PMDB tem dado a governabilidade que o PT precisa. Porém, em virtude da heterogeneidade ideológica (ou de
interésses?) do PMDB, não há consonância entre a direção nacional e a thurma do Simon e do Quércia. O país está no rumo certo, embora haja muito ainda por fazer. E, de opções consideráveis a serem a continuidade do Governo Lula e o impedimento do retorno tucano, a união entre PT e a direção nacional do PMDB está se mostrando válida. Porque agourar esse casamento à la William Blake, senador Simon? ¿Por qué no te callas?

E o senador se calou. Não lá no âmbito nacional, onde ele insiste em posar de paladino da ética e faz o joguinho da mídia que lhe convém. Ele se calou a respeito do apoio do PMDB gaúcho, que apóia o governo Yeda. Ele se calou a respeito da própria Yeda, que vem cada vez mais se afundando em sua própria incapacidade de transparência. Tenho pavor da mediocridade a que chega um colunista como o Paulo Sant'Anna, mas tive que concordar com o seu raciocínio de ontem, que reconhece que o processo de impeachment de Yeda não teria continuidade por provas, indícios ou insuficiência delas, mas pelo número de deputados que estão na base aliada. Apesar de fazer uma infeliz comparação com Lula, Sant'Anna explicita a total falta de compromisso dos deputados da situação em querer tornar transparente a crise política do estado.

O PMDB gaúcho está no centro disso: aliás, como o ilustre deputado Alceu Moreira poderia votar contra os interesses da governadora, se foi justamente ele o responsável pelo projeto de aumento de 143% do salário da governadora?


Enfim: vejo com bons olhos a candidatura de Ciro Gomes à Presidência. Para a esquerda que não se sentisse bem em votar no PMDB de vice da Dilma, o voto no bloquinho (PSB, PDT e PCdoB) seria uma alternativa no campo da situação. Apesar de ser uma figura controversa, uma canditadura de Ciro seria em termos simbólicos (como foi a eleição do ex-sindicalista Lula) uma chance ímpar de um partido Socialista chegar ao governo (ao menos, o partido de intitula assim!).

De mais a mais, conversando com o seu Ruben por esses dias, entre idéias e idéias, ele deixou uma pergunta no ar, que retomo agora: se há limites para reeleição de cargos executivos, porque não se limita também a reeleição de senadores, deputados e vereadores?

Gilmar Mendes, ¿por qué no te callas?

Do Conversa Afiada:
Juro que não sei da onde sai tanta besteira junta da boca de um só cristão...

E PÁRA de gaguejar: "Vossa Excelência não está na rua, Vossa Excelência está na mídia, destruindo a credibilidade da Justiça brasileira. Vossa Excelência não está falando com seus capangas do Mato Grosso".

19 de outubro de 2009

Além do que se vê


Esse ano de 2009 a União da Juventude Socialista - UJS - comemora os seus 25 anos de lutas e conquistas. Embora eu não seja filiado, sou próximo e simpático à UJS.

Esse lema que intitula a postagem embalou, pela musica de Los Hermanos, o congresso de 2006 da UJS, ano da reeleição do Presidente Lula. Pois ao passo que defende o socialismo, a entidade compreende justamente que "a estrada está além do que se vê": a sociedade que desejamos não virá de forma fácil ou imediata, mas como fruto do engajamento e da luta social. E o apoio ao governo Lula se mostrou como uma compreensão da conjuntura política que, embora possa reconheça seus problemas e limites, ainda assim analisa dialeticamente o panorama político e histórico, e considera mais importante os avanços que os oito anos de governo do PT representam.


Em meio às comemorações de 25 anos da UJS e a eleição da Diretoria Estadual, o nosso amigo Igor de Fato ofereceu um texto intitulado "Uma Moça com a cara do Novo Brasil", encontrado aqui. Entre conversas de botequim, ele me questionou sobre o fato de terem se referido ao seu texto como uma poesia. Afinal, uma poesia é apresentada, de modo geral, pela sua constituição em versos
(o que de fato não corresponde ao seu texto). Ora, deixemos os aspectos formais por ora em suspenso (para os quais se adequariam melhor a expressão "poema"), e consideremos a poesia como arte do encantamento do espírito por intermédio do uso da palavra. Não se trata de uma forma de esgotar um conceito (longe disso), mas de adequá-lo (ainda que de forma não aprofundada) ao seu uso corrente. Assim, à metáfora da moça, pelo seu uso através da busca de um efeito de sensibilidade, poderemos sim vê-la como uma expressão poética: por que não?

Resolvido o problema acerca da poesia? Não, assim como o caminho até o socialismo. Não desanimemos, pois o trajeto é longo. E a estrada? Ah, essa vai além do que se vê...

Além do que se vê - Los Hermanos

12 de outubro de 2009

Degradação de valores?


Já é chavão "refletir" sobre a degradação e perda de valores na "sociedade contemporânea". Olhe ao mundo ao redor: você constata isso mesmo? E se olhar para o passado? Afinal, afirmações a respeito de "perda" e "degradação" implicam que haja no passado um momento em que esses valores tenham sido respeitados... Não é?

"A moral é precedida pela compulsão; ela se mantém mesmo por algum tempo como compulsão, à qual nos submetemos para escapar a consequencias desagradáveis. Mais tarde, torna-se costume, mais tarde ainda, obediência livre, e finalmente, quase se torna instinto; daí, como todas as coisas costumeiras e naturais, ela é ligada à gratificação - e então se torna virtude"
Nietzsche - Humano, Demasiado Humano

"cada pequeno passo na terra foi pago com tortura física e espiritual... quanto sangue e crueldade estão por trás de todas as 'boas coisas'!"
Nietzsche - A Genealogia da Moral

Sobre o maniqueísmo entre bem e mal, nada melhor que Nietzsche para apontar a linha tênue que separa um valor do outro. Aí me dizerem que os valores estão invertidos... Quando os valores (apropriação de valores
ocidentais judaico-cristãos) foram "corretos"? E para quem foram "corretos"? E a vigência desses bons valores faziam (?) os homens e a sociedade melhor? Atribuir essa "inversão" de valores à ascensão do capitalismo não é apenas simplificar as coisas também? Será que hoje não somos apenas menos hipócritas?

Fica a reflexão para o dia das crianças!

Intermezzo III

Show antológico gravado em 18 de outubro de 1978 em Milão, na Itália, com o maestro Tom Jobim e o poeta Vinícius de Moraes, acompanhados pelo violão de Toquinho e pela voz de Miúcha.































9 de outubro de 2009

Da materialidade da Literatura


A prática de ensino de Literatura, tanto na universidade quanto em outros níveis do ensino, tem apontado o nosso distanciamento do objeto livro. The book isn’t else on the table. A facilidade e praticidade das fotocópias ou montagens que contém fragmentos de obras ou textos curtos servem a fins didáticos; mas, se a literatura se faz de livros publicados (e cabe aqui o questionamento), quanto o laboratório de distingue da realidade? Que implicações há em negar o suporte próprio da Literatura no processo de leitura?

Entre essas e outras perguntas, propus em uma aula no Pré-Vestibular Popular Alternativa uma atividade que priorizasse o contato com livros. Afim de esclarecimentos: esse projeto que comemora 10 anos é um dos espaços de inclusão da universidade voltado para a comunidade santa-mariense que não tem condições econômicas de arcar com a preparação para o vestibular. A coordenação do projeto e as aulas são por conta e organização de alunos voluntários das universidades da cidade, com o suporte institucional e financeiro da Pró-Reitoria de Extensão da UFSM.

Desde 2004 tenho a oportunidade de trabalhar no Alternativa ministrando aulas, sobretudo de Literatura Brasileira. Depois de uma pausa de dois anos em virtude da dedicação ao mestrado, retornei à sala de aula, inicialmente em parceria com a Profª Priscila do Prado. Para esse ano, delineamos a disciplina privilegiando em um primeiro momento a poesia para, só depois, dedicarmo-nos à prosa.

(As leituras indicadas para a prova de Literatura Brasileira
do vestibular 2010 da UFSM podem ser encontradas
aqui)


Enfim: em meio às reflexões propiciadas pela abordagem à poesia moderna brasileira, principalmente no questionamento aos limites da “arte” e sua aproximação com a “vida”, propus uma atividade que estimulasse o contato com os livros. Mas, longe de levar autores consagrados em re-re-reedições atualizadas revisitadas remasterizadas, levei-lhes alguns livros de poemas que tinha em casa, de poetas de diferentes gerações e mais ou menos conhecidos em seus sub-sistemas literários.

Dei a oportunidade que escolhessem, em duplas ou trios, um livro a julgar pela capa, textura, bitola e título. E assim eles teriam que verificar informações no livro sobre o autor e suas obras, ler alguns poemas e destacar elementos que lhes pudessem chamar atenção. Considerando-se a variável de interesse, a atividade de uma forma geral foi muito satisfatória: mãos manipulavam livros e liam com os dedos, redescobrindo os poemas em uma unidade produtora de sentido, ao lado de outros poemas e de cores e imagens e formatos.

* * *

Alguns livros foram mais bem aceitos do que outros. Obviamente destacarei os que tiveram destaque positivo.

O poeta que assume uma relação intensa e ambígua com Brasília, Nicolas Behr, teve uma ótima receptividade. Vinde a mim as palavrinhas (2005) é uma compilação de textos publicados mimeografados pelo autor, à margem do mercado editorial, que visualmente destaca-se pelas fontes que remetem às máquinas de escrever. Assim também é Braxília Revisitada (2005), cujos poemas-piada retomam a lírica de Oswald de Andrade, os alunos estimularam-se pela leitura e seus jogos de linguagem e de sentido:

DAS DUAS UMA

ou tiro sai
pela culatra
ou sai
pela nuca
de grão em grão
a galinha
enche o papo
de palavra em palavra de palavra
em palavra de palavra em palavra
de palavra em palavra de palavra
em palavra de palavra em palavra
de palavra em palavra de palavra
este poema enche o saco


(Nicolas Behr, Vinde a mim as palavrinhas)

alô? eu queria falar com
a substituta da assistente da
secretária da coordenadoria

da secretaria da assessoria
da chefia da procuradoria da
defensoria da corregedoria
da ouvidoria da dona maria
que está na portaria.
ah, saiu? não volta mais hoje...

no princípio era a lama
a lama virou cama
a cama virou câmara

onde eles legislam
deitam e rolam

(Nicolas Behr, Braxília revisitada vol.1)

Outro poeta que despertou o interesse dos alunos foi Delalves Costa, a partir de Coisas que faltam em mim (2006) e Considerações pre-maturas & outras ausências (2008). Alunos surpreenderam-se com a informação de que há jovens poetas gaúchos publicando atualmente, o que propiciou um debate acerca
das instituições legitimadoras da Literatura. Afinal, cada vez mais temos mais leitores e, por outro lado, mais escritores disputando um lugar ao sol: como professor, formador de opinião, não nego (e nem devo negar) o meu papel como (uma) instância legitimadora. Com essa atividade amplio o conhecimento dos alunos em relação à textos e escritores (até então ignorados pelos alunos), o que me concede estender, pouco a pouco, os limites da Literatura.

Em Coisas que faltam em mim, os sentidos dos poemas estarão em jogo com o próprio formato inusitado do livro: a capa é um envelope, no qual temos as páginas dos poemas soltas, como cartões da sorte para serem lidos aleatóriamente. A unidade e a linearidade do livro faltam, o que dilacera a posição do sujeito-lírico à procura de si, das ausências e do indizível. É preciso portanto descobrir-se e redescobrir a própria poesia no instante ou na temática surpreendente, como acontece também em Considerações Pre-Maturas & Outras Ausências. O cotidiano apresenta a sua poesia pelo olhar do poeta em busca do que lhe é ausente ou indizível:

O TÁXI

E assim... de malas prontas
me olhava como se escrevesse
uma carla a la canhoto
(ainda que minha, palpitasse!)...
Com o olhar pequeno
à procura de voz
à procura de nós
à procura de fantasmas
para levá-la ao táxi!...
De um homem deveras gentil
que lhe abrisse a porta,
de um romântico
que lhe desse o beijo!
Enfim!... De última hora
à espera de alguém
para desfazer suas malas
apenas com um "não se vá!"...
Mas o táxi sinalizou à direita
e logo à esquerda
me levando... me levando...
te levando e se foi!...

(Delalves Costa, Considerações Pre-Maturas & Outras Ausências)


COISAS QUE FALTAM EM MIM

Faltam ruas, sobro em disfarces.
Eu sei. São infindáveis
Os caminhos a seguir.

Mas vou disfarçando sem pressa
Para não sentir em minhas ausências
As coisas que faltam em mim.

(Delalves Costa, Coisas que faltam em mim)

Por fim, destaco ainda


* * *

a

[postagem inconclusa]

Credibilidade da fonte



(queridos alunos!)

O problema não é a divergência de opiniões e posicionamentos: é a coerência dos argumentos e qualidade das fontes de informação!


Eis o panorama da coerência da brazilian direita política: "O FHC, o Geraldo, o Serra, gosto da Heloísa Helena, gosto do Simon, gosto do Gabeira do PV..."!

4 de outubro de 2009

Intermezzo II



Si Se Calla El Cantor
Mercedes Sosa
Composição: Horacio Guarany

Si se calla el cantor calla la vida
porque la vida, la vida misma es todo un canto
si se calla el cantor, muere de espanto
la esperanza, la luz y la alegría.

Si se calla el cantor se quedan solos
los humildes gorriones de los diarios,
los obreros del puerto se persignan
quién habrá de luchar por su salario.

'Que ha de ser de la vida si el que canta
no levanta su voz en las tribunas
por el que sufre, por el que no hay
ninguna razón que lo condene a andar sin manta'

Si se calla el cantor muere la rosa
de que sirve la rosa sin el canto
debe el canto ser luz sobre los campos
iluminando siempre a los de abajo.

Que no calle el cantor porque el silencio
cobarde apaña la maldad que oprime,
no saben los cantores de agachadas
no callarán jamás de frente al crimén.

'Que se levanten todas las banderas
cuando el cantor se plante con su grito
que mil guitarras desangren en la noche
una inmortal canción al infinito'.

Si se calla el cantor . . . calla la vida.

29 de setembro de 2009

Religiosidade

"São Miguel Arcanjo," 1615, por Luis Juarez, México. Óleo em madeira - 67-3⁄4 x 60-1⁄4, Museu Nacional de Arte/INBA, Cidade do México.

Estava hoje pela manhã levando o Miguelzinho para a creche, caminhando de mãos dadas sob o sol, quando ao nosso lado uma senhora surgiu tecendo elogios ao menino, comparando-o a um anjinho. Ao responder qual era o nome dele, essa senhora perguntou se ele fazia aniversário, pois é dia de São Miguel Arcanjo. Revelei que ele não era aniversariante, e confessei que não sabia da data do santo anjo. E assim ela começou a falar da hierarquia entre anjos e arcanjos, e da importância de Miguel, Gabriel e Rafael para o projeto divino. Como também conheço as passagens bíblicas, complementava a conversa.

(Pausa para falar da minha posição a respeito da religião: Não me considero um ateu, embora cada vez mais me seja difícil a crença no sistema cristão, que reproduz no além o modelo de sociedade terrena. Pois bem: o ateu (generalizando) desdenha a religião justificando-se no acaso e apegando-se à ciência. Ora, isso tende a transformar o Acaso em entidade demiúrgica, e o discurso científico em dogma. Ou seja, me é insuficiente. O fato de não me apegar à idéia da existência de deus não quer dizer que também duvide da sua existência. O mundo não se resumiria apenas ao que é visível, ou se uma forma geral, perceptível aos sentidos: haverá uma parte visível e outra invisível, uma concreta e passível de racionalização, e outra para qual predomina o mistério. E, sendo mistério, me é impossível seguir adiante e tentar revelá-lo. O inexplicável deve manter-se inexplicável, não como alienação, mas como forma de fugir das tentativas de explicar o que é inexplicável, sob o perigo de cair em representações frágeis, insinceras e manipuláveis. Se confuso? Confesso que estas não são posições estanques e de modo algum definitivas, e por vezes contraditórias. E lógico que a minha formação católica por vezes fala mais alto. Como fruto desses valores, que revelam quem sou, apagar a minha formação seria apagar parte de mim próprio e de minha história).

Assim, essa senhora falava da importância de Gabriel como arcanjo anunciador, Rafael como arcanjo responsável pela cura (sempre gostei do livro de Tobias) e Miguel como o arcanjo guerreiro. Assim, como é próprio do discurso místico-religioso, ela trazia esses significados em torno do homônimo de meu filho para o seu futuro. Por mais que se acredite ou não nessas abordagens, deve-se considerar sobretudo que elas revelam um tal grau de simpatia, que é capaz de transmitir afeição gratuita a desconhecidos. Gosto disso.

Até que, próximo à esquina em que seguiríamos caminhos diferentes (a encruzilhada, sempre significativa) ela reiterou que o nome do Miguel não era gratuito. E a ele estaria previsto o papel de instrumento de paz nesse mundo no qual se está perdendo valores. Nesse momento minha resposta foi o mais sincera possível; não que não eu tivesse sido sincero antes, mas a minha busca maior sobre perguntas do que sobre respostas me encabula diante de tamanhas convicções religiosas. Respondi-lhe que sim, que ele haveria de ser um instrumento de paz, como cada um de nós é: todos nós temos responsabilidades sobre o mundo que moldamos. Ela concordou. E eu deixei marcada com isso a minha posição política.

26 de setembro de 2009

De tudo um pouco, quase nada...



Peço desculpas aos amigos que acompanham o Blog do Berned. Planejando o futuro: as conturbações da vida particular e profissional têm me ocupado ao ponto de não conseguir postar nada nos últimos dias. Paradoxalmente, isso pra mim acaba sendo uma coisa boa. Paradoxalmente.

Nesse meio tempo: Yeda queimada ao quadrado: tanto em relação ao impeachment, quanto literalmente. Acampamento crioulo no parque da Harmonia causa pânico nos que brincavam de gauchinho, pois faltou luz na primeira noite. Desdobramentos do golpe em Honduras, com o envolvimento do Brasil na defesa pela legalidade. Até agora nada a respeito do assassino do sem-terra morto em São Gabriel. Maior relevância da candidatura de Ciro Gomes, que se promete alternativa à esquerda governista que pode vir a se sentir incomodada em dividir o palanque com o PMDB. Fomos à Porto Alegre e ao Alegrete, e na capital fizemos parte de um encontro memorável entre o autor desse blog com os autores do Maico sem N, Igor de Fato e o esperado Inquietações da Taise (a ser lançado em breve) na esquiva chuvosa comendo pizza em cone. Graças a nossa amiga Guada, finalmente experimentamos guacamole. E faz pouco recebi o livro Literaturas Invisíveis, editado pela UFMS, que tem um artigo meu sobre Paulo Coelho. Tem mais coisas para entrarem nessa lista, mas por enquanto as minhas atenções estão voltadas para a relação entre estética e ideologia nos últimos textos de Marguerite Duras. Sorry.

Portanto, conjecturas a não serem desenvolvidas hoje:

Mise-en-abîme:
Por que em novelas é sempre difícil encontrar algum personagem vendo TV?

Alexandre Garcia saudoso (?):
"... o presidente Lula se referiu hoje ao que chamou de golpe em Honduras..."

Volta às aulas em Santa Maria:
A ATU tem algum contrato estabelecido com a rádio Medianeira?

Cruzados de Tegucigalpa:
Qual o papel da Igreja Católica no golpe de Honduras? (hein?)

Vice da Dilma:
Geddel, Temer ou quem?

Marcelo Tas:
Será que mais ninguém se atina a entender a piadinha dele bem no finalzinho do vídeo acima?

31 de agosto de 2009

Manipulação para a conservação da hegemonia


Hoje estávamos em um café no centro de Santa Maria da Boca do Tanque Sujo, quando vi, na entrada do estabelecimento, a edição dominical do jornal “A RAZÃO” à venda. De longe, nada se lê exceto a afirmação em destaque, com letras quase do tamanho do nome do próprio jornal.

Movido pela curiosidade e vacinado contra a manipulação midiática, quis saber a fonte. Só aí fui descobrir que as aspas eram a afirmação
de Tarso Teixeira, vice-presidente da FARSUL e presidente do Sindicato Rural de São Gabriel. E a fonte da afirmação? O "serviço de inteligência" dos produtores rurais [sic]. Ou seja, eles criam um órgão que está apto a difundir verdades ou mentiras de acordo com o seu próprio interesse. É o cúmulo do cúmulo das nossas instituições baseadas na conservação do poder. Seria cômico.

(se tiver curiosidade, clique na imagem para aumentá-la, ou acesse a versão digital do próprio jornal ao final da postagem)

Logo em seguida, enquanto tomávamos café, reparei que realmente, à certa distância, era visível apenas a afirmação em destaque completamente descontextualizada no referido jornal. Eis o velho artifício de fazer com qu
e a opinião ou a inferência se passe por factual. As pessoas vão olhar essa manchete descontextualizada e o jornal e seus patrocinadores vão conseguir convencer a "opinião pública".

Não demorou outra: logo entrou um homem com a sua esposa, um típico "cidadão de bem" que, depois de sua caminhada vespertina, foi comprar pão. Olhou a "manchete" e exclamou algo do tipo: "Mas olha só! São bandidos mesmo! A Brigada tá certa, tem que matar todos mesmo!".

Sabem, o que realmente me preocupou foi o fato do cidadão não se interessar pela fonte da afirmação. Ingenuamente aceitou a manchete. Típico dos movimentos "Fora Sarney" e "Cansei", movimentos nacionais de indignação durante o intervalo da novela. É a inocência de nem conferir a fonte da informação, e a malícia de quem sabe se aproveitar disso.

Daí a necessidade cada vez maior da democratização da mídia, que hoje é empresarial e responde aos interesses de meia dúzia de famílias. A conferência de comunicação é uma necessidade para que seja reconsiderado o papel da mídia e os seus limites. Quando falo de limites não me refiro a censura, mas à utilização da liberdade de imprensa como liberdade para cometer crimes. Afinal, calúnia, injúria, difamação e ameaça ainda são crimes pelo nosso já defasado código penal.

Não temos meios impressos de "esquerda" diários. E qual a necessidade e função de meios diários de comunicação engajados em um projeto de esquerda? E como diferenciar o discurso de esquerda do discurso consolidado há 200 anos pela mídia que surge com a ascensão da burguesia e servindo aos seus interesses até hoje?
(dêem a devida atenção à definição acima de FARC publicada pela razão provinciana.
É explícita a visão dada por quem está diametralmente oposto no campo de disputas.
Em outras palavras: a metodologia de "reportagem" foi "pras cucuias")

A esquerda não pode entrar no jogo embusteiro da reporcagem hegemônica. Seu papel é o de desvelar. É o constante discurso político a evidenciar a luta de classes, a disputa de interesses. É clarear a realidade, e não escamoteá-la. E isso passa pelo próprio reconhecimento da sua parcialidade em consonância com um projeto de sociedade. Tudo o que existe na mídia hegemônica, mas que não é admitido por ela própria. Se a linguagem conservadora tende a apagar a luta de classes, a linguagem engajada tende a explicitar e explorar essa tensão social constantemente. Sobretudo, trata-se de transformar os modelos de representação do mundo veiculados pela mídia empresarial.

Eu, que me considero um grande defensor das TVs públicas, vejo uma enorme contradição não termos sinal aberto para elas. Para se assistir a TV Senado, por exemplo, temos que ter Sky ou antena parabólica! Isso não é democracia de informação: só vou saber o que acontece no legislativo pelo privilégio que o JN dá ao tucanato e aos demos? A TVE e a TV Brasil são avanços. Mas é necessário avançar no debate sobre as concessões do governo ao mass media. E ampliar o acesso das TVs públicas, e comunitárias, que têm ótimas programações.

Lembro que comentei algo do tipo com o Prof. Denílson ano passado, durante a sua campanha para vereador em Osório. É necessário o contraponto ideológico. Os meios hegemônicos de informação hoje disputam entre si os lucros de mercado. Não há embate de idéias. Afinal, em jornal de cidade pequena, o que tiver destaque além da página policial e da coluna social é lucro. As linhas editoriais tendem a ser iguais, conforme a ideologia pequeno-burguesa. Mais do mesmo.