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6 de novembro de 2009

Poemas para serem relidos - Manuel Bandeira

Ainda hoje escrevi para um amigo palavras que me perturbaram. Eu dizia-lhe: "são nesses momentos de fragilidade do homem que nos perguntamos o que é a vida e qual o seu objetivo. Pela fragilidade do homem nos colocamos a pensar a nossa própria vida, como homens que somos, de trajetos incertos mas de destino único". Ainda acrescentei: "pessoas, lugares e momentos constituem a nossa história e nos fazem ser o que somos hoje: quando esses elementos que nos constituem faltam, é como se partes de nós mesmos tivessem se perdido para o sempre".
Na tentativa de expurgação de meus demônios interiores, resolvi postar esses poemas de Bandeira.
Por não querer vincular o amigo ao assunto, evitei referi-lo.
E a foto acima é de Carlos Orellana.

Profundamente

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

*

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.


Momento Num Café


Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta

(BANDEIRA, Manuel. Libertinagem & Estrela da manhã. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000).

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