literatura, política, cultura e comportamento.
seja em santa maria, em alegrete, no rio de janeiro, em osório ou em liechtenstein.
na verdade, tanto faz.

31 de agosto de 2009

Manipulação para a conservação da hegemonia


Hoje estávamos em um café no centro de Santa Maria da Boca do Tanque Sujo, quando vi, na entrada do estabelecimento, a edição dominical do jornal “A RAZÃO” à venda. De longe, nada se lê exceto a afirmação em destaque, com letras quase do tamanho do nome do próprio jornal.

Movido pela curiosidade e vacinado contra a manipulação midiática, quis saber a fonte. Só aí fui descobrir que as aspas eram a afirmação
de Tarso Teixeira, vice-presidente da FARSUL e presidente do Sindicato Rural de São Gabriel. E a fonte da afirmação? O "serviço de inteligência" dos produtores rurais [sic]. Ou seja, eles criam um órgão que está apto a difundir verdades ou mentiras de acordo com o seu próprio interesse. É o cúmulo do cúmulo das nossas instituições baseadas na conservação do poder. Seria cômico.

(se tiver curiosidade, clique na imagem para aumentá-la, ou acesse a versão digital do próprio jornal ao final da postagem)

Logo em seguida, enquanto tomávamos café, reparei que realmente, à certa distância, era visível apenas a afirmação em destaque completamente descontextualizada no referido jornal. Eis o velho artifício de fazer com qu
e a opinião ou a inferência se passe por factual. As pessoas vão olhar essa manchete descontextualizada e o jornal e seus patrocinadores vão conseguir convencer a "opinião pública".

Não demorou outra: logo entrou um homem com a sua esposa, um típico "cidadão de bem" que, depois de sua caminhada vespertina, foi comprar pão. Olhou a "manchete" e exclamou algo do tipo: "Mas olha só! São bandidos mesmo! A Brigada tá certa, tem que matar todos mesmo!".

Sabem, o que realmente me preocupou foi o fato do cidadão não se interessar pela fonte da afirmação. Ingenuamente aceitou a manchete. Típico dos movimentos "Fora Sarney" e "Cansei", movimentos nacionais de indignação durante o intervalo da novela. É a inocência de nem conferir a fonte da informação, e a malícia de quem sabe se aproveitar disso.

Daí a necessidade cada vez maior da democratização da mídia, que hoje é empresarial e responde aos interesses de meia dúzia de famílias. A conferência de comunicação é uma necessidade para que seja reconsiderado o papel da mídia e os seus limites. Quando falo de limites não me refiro a censura, mas à utilização da liberdade de imprensa como liberdade para cometer crimes. Afinal, calúnia, injúria, difamação e ameaça ainda são crimes pelo nosso já defasado código penal.

Não temos meios impressos de "esquerda" diários. E qual a necessidade e função de meios diários de comunicação engajados em um projeto de esquerda? E como diferenciar o discurso de esquerda do discurso consolidado há 200 anos pela mídia que surge com a ascensão da burguesia e servindo aos seus interesses até hoje?
(dêem a devida atenção à definição acima de FARC publicada pela razão provinciana.
É explícita a visão dada por quem está diametralmente oposto no campo de disputas.
Em outras palavras: a metodologia de "reportagem" foi "pras cucuias")

A esquerda não pode entrar no jogo embusteiro da reporcagem hegemônica. Seu papel é o de desvelar. É o constante discurso político a evidenciar a luta de classes, a disputa de interesses. É clarear a realidade, e não escamoteá-la. E isso passa pelo próprio reconhecimento da sua parcialidade em consonância com um projeto de sociedade. Tudo o que existe na mídia hegemônica, mas que não é admitido por ela própria. Se a linguagem conservadora tende a apagar a luta de classes, a linguagem engajada tende a explicitar e explorar essa tensão social constantemente. Sobretudo, trata-se de transformar os modelos de representação do mundo veiculados pela mídia empresarial.

Eu, que me considero um grande defensor das TVs públicas, vejo uma enorme contradição não termos sinal aberto para elas. Para se assistir a TV Senado, por exemplo, temos que ter Sky ou antena parabólica! Isso não é democracia de informação: só vou saber o que acontece no legislativo pelo privilégio que o JN dá ao tucanato e aos demos? A TVE e a TV Brasil são avanços. Mas é necessário avançar no debate sobre as concessões do governo ao mass media. E ampliar o acesso das TVs públicas, e comunitárias, que têm ótimas programações.

Lembro que comentei algo do tipo com o Prof. Denílson ano passado, durante a sua campanha para vereador em Osório. É necessário o contraponto ideológico. Os meios hegemônicos de informação hoje disputam entre si os lucros de mercado. Não há embate de idéias. Afinal, em jornal de cidade pequena, o que tiver destaque além da página policial e da coluna social é lucro. As linhas editoriais tendem a ser iguais, conforme a ideologia pequeno-burguesa. Mais do mesmo.

21 de agosto de 2009

Resultado da omissão e da hipocrisia: a morte de um Silva, um brasileiro (2)

Confronte o texto e as imagens. Eles falam por si próprios:


NOTA PÚBLICA SOBRE O ASSASSINATO DE ELTON BRUM PELA BRIGADA MILITAR DO RIO GRANDE DO SUL - 21 de agosto de 2009

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra vem a público manifestar novamente seu pesar pela perda do companheiro Elton Brum, manifestar sua solidariedade à família e para:

1. Denunciar mais uma ação truculenta e violenta da Brigada Militar do Rio Grande do Sul que resultou no assassinato do agricultor Elton Brum, 44 anos, pai de dois filhos, natural de Canguçu, durante o despejo da ocupação da Fazenda Southall em São Gabriel. As informações sobre o despejo apontam que Brum foi assassinado quando a situação já encontrava-se controlada e sem resistência. Há indícios de que tenha sido assassinado pelas costas.

2. Denunciar que além da morte do trabalhador sem terra, a ação resultou ainda em dezenas de feridos, incluindo mulheres e crianças, com ferimentos de estilhaços, espadas e mordidas de cães.

3. Denunciamos a Governadora Yeda Crusius, hierarquicamente comandante da Brigada Militar, responsável por uma política de criminalização dos movimentos sociais e de violência contra os trabalhadores urbanos e rurais. O uso de armas de fogo no tratamento dos movimentos sociais revela que a violência é parte da política deste Estado. A criminalização não é uma exceção, mas regra e necessidade de um governo, impopular e a serviço de interesses obscuros, para manter-se no poder pela força.

4. Denunciamos o Coronel Lauro Binsfield, Comandante da Brigada Militar, cujo histórico inclui outras ações de descontrole, truculência e violência contra os trabalhadores, como no 8 de março de 2008, quando repetiu os mesmos métodos contra as mulheres da Via Campesina.

5. Denunciamos o Poder Judiciário que impediu a desapropriação e a emissão de posse da Fazenda Antoniasi, onde Elton Brum seria assentado. Sua vida teria sido poupada se o Poder Judiciário estivesse a serviço da Constituição Federal e não de interesses oligárquicos locais.

6. Denunciamos o Ministério Público Estadual de São Gabriel que se omitiu quando as famílias assentadas exigiam a liberação de recursos já disponíveis para a construção da escola de 350 famílias, que agora perderão o ano letivo, e para a saúde, que já custou a vida de três crianças. O mesmo MPE se omitiu no momento da ação, diante da violência a qual foi testemunha no local. E agora vem público elogiar ação da Brigada Militar como profissional.

7. Relembrar à sociedade brasileira que os movimentos sociais do campo têm denunciado há mais de um ano a política de criminalização do Governo Yeda Crusius à Comissão de Direitos Humanos do Senado, à Secretaria Especial de Direitos Humanos, à Ouvidoria Agrária e à Organização dos Estados Americanos. A omissão das autoridades e o desrespeito da Governadora à qualquer instituição e a democracia resultaram hoje em uma vítima fatal.

8. Reafirmar que seguiremos exigindo o assentamento de todas as famílias acampadas no Rio Grande do Sul e as condições de infra-estrutura para a implantação dos assentamentos de São Gabriel.

Exigimos Justiça e Punição aos Culpados!

Por nossos mortos, nem um minuto de silêncio. Toda uma vida de luta!

Reforma Agrária, por justiça social e soberania popular!

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (http://www.mst.org.br/)

(clique na imagem para ampliá-la ou aqui)

Resultado da omissão e da hipocrisia: a morte de um Silva, um brasileiro (1)


Violência em ruas e estradas na data instituída para conscientizar as pessoas sobre os perigos do trânsito. Liberado o trânsito no trecho da BR 101, no Litoral Norte, onde se formou uma cratera na quarta-feira. Chega ao fim o maior acervo de carros antigos do Brasil. A Justiça determinou a retirada dos veículos do museu da Ulbra, em Canoas. A morte de um integrante do MST durante a desocupação de uma fazenda na Região Central do Estado vai ser investigada pela Polícia civil e Brigada Militar. O ministério Público também vai acompanhar o caso. Os manifestantes estavam na propriedade há 10 dias. O corpo do agricultor morto vai ser enterrado neste sábado em Canguçu. Quinze espingardas calibre 12, que estavam com os PMs e foram apreendidas vão passar por perícia. Duas idosas ficaram feridas em um incêndio em Santa Maria. Sol predomina em todo o Estado nesta sexta-feira. Confirmadas mais nove mortes pela nova gripe no Estado, que passa a ter 93 casos fatais. Definidos, na Assembleia Legislativa integrantes da CPI que vai apurar supostas irregularidades no governo gaúcho. A comissão será instalada na próxima quarta-feira. Um passageiro morreu e um taxista ficou ferido esta tarde em Porto Alegre. Amanhã, em São Paulo, o Inter enfrenta o Palmeiras, líder do Campeonato Brasileiro. E o Grêmio joga domingo, às quatro da tarde, com o Atlético Mineiro no Estádio Olímpico. Uma mulher foi detida em Canoas por passar trotes à Brigada Militar.
(Resumo do RBS notícias, jornal do PIG local entre as novelas das 6 e das 7).

Um sem-terra morreu.
Olhando a TV enquanto jantam, muitos darão de ombros. Outros estão apenas com a TV ligada por costume, nem ouviram o que foi dito. Outros perguntarão: “o que eu tenho a ver com isso?”

Elton Brum da Silva, 44 anos, morreu.
Uma notícia de alguém que faleceu. Na TV, mais uma morte entre tantas. Alguém, um “silva”. Mais simbólico do que esse sobrenome, impossível. É nome do próprio Brasil.

Elton Brum da Silva, trabalhador rural sem-terra foi morto pelas costas. Elton, não o conheci. Também nunca havia ouvido falar nele. Mas o Silva sim. O Silva é um entre tantos brasileiros que sonham dias melhores. Que querem trabalhar e se verem incluídos no corpo social do país. Que querem tudo de bom pra todo mundo. Que deve ter alguém que o ame, e alguém que foi amado por ele. Talvez tenha filhos, ou sobrinhos. Vizinhos e amigos. Talvez ainda tivesse pais, tivesse uma família por quem zelar. Com certeza tinha companheiros de luta. Com certeza compartilhava sonhos com as pessoas que o cercavam.

Mais um Silva morreu. Foi morto. Pela equívoca ação policial. Pelos equívocos governos. Foi condenado à morte o trabalhador privado de terra que questionava as regras do jogo. Que questionava o direito de uns sobre a propriedade privada. Um Silva foi morto hoje pelo sonho de poder ter uma casa e um trabalho. A morte de um Silva hoje expõe as veias abertas de um modelo de sociedade que chega aos seus limites.

O exercício de alteridade pode ser resumido como nos colocarmos no lugar do outro. Pois bem: estamos sentados frente ao computador agora lendo isso. Podemos pensar sobre que teto moramos agora. Sobre a situação econômica da nossa família. A nossa fonte de renda. A nossa formação intelectual. Os nossos hábitos. Nossas manias. Nossos vícios. O que nos dá prazer. Sobre nossos pais e nossos filhos. Sobre o que queremos do futuro. As expectativas, as esperanças que nos movem. Podemos parar agora e pensar em todo o universo que gira nesse instante ao redor do nosso umbigo. Vamos pensar em todas as pessoas e toda a história da nossa vida que fazem com que nos constituamos como esse sujeito que nesse instante está lendo esse texto. Agora, vamos conseguir nos colocar no lugar de nosso vizinho? No lugar do próximo? Somos capazes de imaginar os sonhos e expectativas interrompidas de modo estúpido? Podemos imaginar o que move uma pessoa a viver de acampamento em acampamento, em conflito direto e constante com o sistema? Podemos comensurar o que é ter homens, mulheres e crianças sendo retiradas de uma terra de manhã cedo pela polícia militar? Pessoas que já são feridas na dignidade por não estarem incluídas no sistema, e ainda assim lutam contra esse sistema, e acabam sendo mais humilhadas por esse mesmo sistema. Podemos nos colocar no lugar de um Silva que foi assassinado? Podemos nos colocar no lugar do Elton, de 44 anos, integrante do movimento de trabalhadores rurais sem-terra que foi assassinado pelas costas pela polícia em uma ação de reintegração de posse movida por um latifundiário com a bunda cheia de dinheiro e seu advogadozinho e aceita pela (in)justiça?

Hoje somos levados a agir como se fôssemos muitos: reivindicamos e agimos como consumidores, como clientes, como eleitores, como inquilinos, contribuintes ou pacientes; como estudantes, trabalhadores e/ou aposentados. Talvez nos falte uma unidade: pensar como cidadãos. Pensar que temos responsabilidade pelo sistema que nos cerca em sua totalidade. Afinal, como seria se em vez de reivindicarmos nossos direitos como consumidores, agíssemos como consumidores cidadãos? Como estudantes cidadãos? Trabalhadores cidadãos? Patrões cidadãos? Eleitores cidadãos?
Percebe a sutil diferença?

Hoje um Silva morreu. Elton da Silva foi assassinado.
Por quem?
Quem disparou o tiro deve ser responsabilizado. Quem permitiu a ação policial com uso de armas de fogo merece ser responsabilizado. Quem planejou a ação policial que permitisse a morte de quem quer que fosse, merece ser responsabilizado. Quem adota políticas de repressão análogas às ações da ditadura (que eu esperava encontrar apenas em livros de história e filmes sobre o passado) também deve ser responsabilizado. A justiça que age em seu gabinete mas não calcula as consequências (ou calcula muito bem) que a suas decisões podem tomar também deve ser responsabilizada. Mas não só eles. Hoje todos nós somos também responsáveis por essa morte, por esse assassinato pelas costas, por esse ato de covardia. Por que somos nós que acabamos sustentando esse modelo de sociedade. Esse modelo de fragmentação, de individualismo, de seleção, de hipocrisia. É nossa obrigação fazer um exercício de alteridade e, consequentemente, um balanço de nossa vida. A pessoa que mais se declara inocente é conivente e omissa com a morte dos Silva, a morte de vários brasileiros que como Elton, foram assassinados com um ato de covardia pelo sistema que nós sustentamos. E o que fazer?

A notícia da morte de Elton Brum da Silva foi notíciada na TV depois da novela que se passa no interior. Antes se falou de carros antigos, depois se falou do Inter e do Grêmio. Depois deu a novela do macaco. E, se não agirmos em torno da responsabilidade que temos sobre o universo que nos cerca (que começa – mas não termina – na hora do voto), volta tudo a ser como é, como alguns querem que seja. E daí depois tem a novela das 8.


18 de agosto de 2009

"Quem disse que a literatura não incomoda mais?" (2)

Começo essa postagem considerando um desafio que meu cunhado me propôs: conhecer livros de José Sarney. E terminarei propondo um outro desafio a nós todos.

Sarney (PMDB-AP) não é senador pelo Maranhão. No Amapá ele consegue eleger-se senador com 152.486 votos, o que representa 53,87% dos votos válidos. A título de comparação, Passo Fundo – RS tem 183.300 habitantes (2007). Além de ser tudo isso que há mais de 50 anos todo mundo sabe que ele é (mas só agora o tucanato e demos descobriram, depois de apoiar a sua eleição para a presidência do senado, derrotando o candidato Tião Vianna do PT-AC. E quem é o suplente da vaga de Sarney na presidência, hein? Hein?), é o atual membro mais antigo da Academia Brasileira de Letras. José Sarney ingressou no universo literário com um livro de poemas em 1952. Também é autor de contos, crônicas, e romances, e foi eleito para a ABL em 1980.

Você já leu algum livro de Sarney? Eu confesso que ainda não. Mas lerei, respondendo ao desafio do meu cunhado e à minha curiosidade. Afinal, temos muitos nomes importantes na ABL hoje. Essa instituição apresenta-se, no artigo primeiro de seu estatuto como: "Art. 1º - A Academia Brasileira de Letras, com sede no Rio de Janeiro, tem por fim a cultura da língua e da literatura nacional, e funcionará de acordo com as normas estabelecidas em seu Regimento Interno" (ou será pôr fim?). Espero que, em caso de extinção da Academia (como previsto no artigo 9º) ainda possamos ter acesso a cultura de língua e literatura do Brasil. Porém, me chama mais atenção a respeito da ABL não são os Highlanders que por lá passaram (por favor, ninguém tente cortar a cabeça do Paulo Coelho!), mas justamente os que não passaram: ou é possível falar em Literatura Brasileira e não ter como referências à história da nossa cultura da língua e da literatura escritores como Lima Barreto, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Clarisse Lispector, Érico Veríssimo, Vinícius de Morais ou Mário Quintana? Que critérios afinal são esses para (como diria Olavo Bilac), separar os latoeiros dos ourives? Afinal: para que serve a Academia Brasileira de Letras? Para tomar chá?

Comecei o texto fazendo referência ao desafio do cunhado. Pois bem: entre divagações literárias, encontramo-nos julgando uma obra que não tínhamos lido. De fato, eu já havia despertado certa curiosidade pela literatura “sarneydiana”, mas ainda não tomei iniciativa alguma em ler os livros.

Mas, considerando a última novidade, como poderei (e poderão) culpar-me em divagar sobre livros que não li?

A novidade? Fernando Collor de Mello, ex-governador das Alagoas, ex-presidente da República e escorraçado do Planalto, atual senador pelas Alagoas (na vaga deixada por Heloísa
Helena – Psol) e empresário da Organização Arnon de Mello (um dos maiores complexos na área das comunicações do Norte-Nordeste do Brasil, composta por Rádios, Emissora de TV, Jornal, instituto de pesquisa, entre outros. [...] As suas rádios são as mais ouvidas no estado, a sua Emissora Televisiva foi a primeira a transmitir em cores para Alagoas e seu jornal é o mais lido) é pleiteado a ingressar na Academia Alagoana de Letras. Sem concorrentes. E sem algum livro publicado.

A Academia Alagoana de Letras existe desde 1919. Assim como a ABL, tem 40 cadeiras, que homenageiam ilustres alagoanos falecidos. No site da AAL senti falta de alguma
lista que fizesse referência aos que são e já pertenceram a essa Academia. Obriguei-me a recorrer à Wikipédia, para descobrir que nomes ilustres a comporem a história da AAL passam por Lêdo Ivo e Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira. Mas não consegui dados suficientes para saber se Jorge de Lima, Graciliano Ramos, Djavan ou Zagallo também fizeram parte da Academia Alagoana. E agora querem que Collor entre para a nata dos ourives das letras alagoanas. Sem concorrentes. E sem algum livro publicado.

Não sei se o estatuto da AAL segue o modelo da ABL. Mas, no estatuto da Academia Brasileira encontramos o seguinte artigo: "Art. 2º - Só podem ser membros efetivos da Academia os brasileiros que tenham, em qualquer dos gêneros de literatura, publicado obras de reconhecido mérito ou, fora desses gêneros, livro de valor literário. As mesmas condições, menos a de nacionalidade, exigem-se para os membros correspondentes." As questões de valor literário e reconhecido mérito devem ser deixadas, ao menos por enquanto, de lado. Mas e a publicação de "qualquer dos gêneros da literatura"? Lógico que cabe a pergunta cabal: o que é literatura? E que conceito as Academias Brasileira e Alagoana de Letras utilizam?

Por exemplo: Getúlio Vargas foi membro da Academia tendo publicado apenas discursos. A bibliografia de Santos Dumont nem consta no site da ABL. Roberto Marinho publicou "Uma trajetória liberal" em 1992, e foi empossado na ABL em 1993. Se a regra é não ter regra, nenhum problema em Fernando Collor ingressar na AAL.

Diz Ivan Barros - escritor, jornalista e imortal - ao Tribuna do Sertão: “Ele [Collor] pode ter concorrente, alguns colegas acadêmicos podem receber pressões, mas a verdade é que tem dotes intelectuais de grande valia. Sua pretensão é modesta: apenas conviver mais intensamente com os amigos acadêmicos, razão pela qual não hesitarei em dar o meu voto e apoio. Depois a Academia Alagoana de Letras, que tem como presidente Fernando Iório (grande amigo de Collor), não pode privar-se de um homem de grande valor. Depois disso, Collor está ligado a Academia Alagoana pelo coração e pelo espírito. Seu pai, Arnon pertenceu aos quadros da Academia”.
Segundo a IstoÉ, também o poeta Lêdo Ivo, membro da Academia Brasileira de Letras, (ABL) defende a imortalidade de Collor: "Ele preenche as condições. É autor de vários discursos, vai lançar um livro. Espero que entre, depois, para a ABL", disse.

Para se candidatar à almejada vaga de imortal da AAL, Fernando Collor teria apresentado uma coletânea dos seus discursos e artigos sobre os mais
variados temas, e a pretensão de publicar "A crônica de um golpe", que retratará a sua visão sobre o processo de impeachtment. Pois é. Se ao menos esperassem ele publicar o tal livro. Nem precisariam ler, haja vista a situação; mas não seria tão escrachado. Fica agora o desafio que proponho: lermos a famigerada literatura do imortal Fernando Collor.

Agradecimento Post-Scriptum: para essa postagem tive a colaboração do amigo Crazy Water do Interior.

14 de agosto de 2009

Soberba disfarçada de erudição


Essa tomei conhecimento através do Cloaca News. E diz respeito aos pseudojornalistas dando pitacos de pseudointelectuais. Afinal, é o que justifica encontrarmos na famigerada página 10 do folhetim ZeroHora a seguinte notinha da infeliz colunista do pseudoinformativo:

Erudição
Cotado para alto cargo na CPI da Corrupção abusa de expressões como “seje” e “houveram denúncias”.
E não é do partido do presidente Lula.
Aliás, o petista José Dirceu ainda não consegue dizer "problema".

Que prazer sádico será esse em se autopromover em virtude do triste hábito de menosprezar os equívocos linguísticos alheios? Pouco importaria a quem especificamente ela está se referindo. No entanto, uma notinha "banal" dessas em uma página "política" apenas evidencia a tensão e a luta social de interesses. O folhetim da Terra do Nunca (último baluarte do governo Yeda) adota explicitamente a mesma estratégia que a governadora usa para sua defesa: a desqualificação do outro. O presidente Lula é pintado como analfabeto até agora: no entanto, é o uso simples que o presidente faz da linguagem que comunica. Talvez isso explique os altos índices de popularidade? De nada adiantaria se não houvesse resultados práticos; mas o âmbito linguístico com certeza deve ajudar.

Cabe nesse infeliz comentário da senhora Rosane uma intervenção nossa a respeito de quem deve ocupar cargos públicos. Seguidamente ouço gente opinando em uma formação em "Administração de Empresas" para quem ocupe cargos públicos. De qualquer forma, qualquer formação pós-escolar seria garantia de "erudição" e sucesso administrativo.

Primeiro que um Estado não é uma Empresa. A finalidade primeira de uma empresa é o lucro do patrão. E qual a finalidade primeira de um governo de um município, um estado ou um país, se não o bem-estar da população? Portanto, a formação que um político deve ter é a formação política: é participar ativamente da vida pública do lugar. Já deveria ter passado o estilo da monarquia, em que a corte vivia da plebe mas não se misturava com ela. Hoje, pela idéia de república democrática, deveria ser essa "plebe" no poder. Mas não está. Por quê?

Nossos representantes deveriam ser pessoas com as quais nos identificássemos. Mas alguém aqui se identifica, por exemplo, com a conta bancária do pai do deputado "Mano Changes"? Ou com a do Simon? Sabemos o que pensam sobre a sociedade? Eles estão lá para quê, afinal? Para quem? Isso começa na eleição para vereador: deveríamos votar em quem representa segmentos sociais e projetos políticos nos quais nos identificamos. Mas não nos identificamos com nada? Não gostamos de política? Então, quer dizer que deixamos as coisas andarem sozinhas até o ponto em que a imprensa noticia falta de ética? Sim, a imprensa, porque se dependesse de esforço próprio para apurar informações...

Eis um dos motivos pelo qual o modelo de sociedade que temos hoje, vindo do modelo da revolução francesa, merece mudar. Ainda não vivemos uma democracia plena, ainda não somos uma pátria livre e totalmente soberana. Essas mudanças poderão vir por diferentes maneiras. Mas elas só poderão se efetivar a partir do momento em que nos delegarmos os papéis políticos que - por inocência ou apatia - delegamos aos nossos algozes. De fato, não adianta apenas mudarmos as pessoas que lá estão: é necessária uma mudança pontual no sistema político. Mudança essa que não está alheia à visão global de sociedade que temos (ainda que não se tenha parado para pensar nisso, cada um de nós tem uma visão de sociedade: poderá chamar isso de ideologia). Já paramos para pensar a quem nos deixamos convencer um ou outro modelo de sociedade? Isso não vem para nós direto da política constitucional não... Isso entra em nossa casa pela telinha da TV também nas mais inocentes novelas e se dissemina em nossos círculos sociais.

Voltando: quem é o "erudito"? A quem interessa a soberba de mostrar "erudição"? Delegamos maior confiança a quem se autopromove, não é? Eis a sociedade do espetáculo na qual nos inserimos...

12 de agosto de 2009

Bate-papo com Igor de Fato

Igor de Fato: Che, tu viu a matéria que postei no meu blog? É exclusiva do IGOR DE FATO! É um furo!

Blog do Berned: Sim, li... De fato, eu tinha comentado algo com a Luciéle a respeito do postinho Wilson Noal. Tá visível a depredação. Percebemos que cadeiras estofadas foram retiradas e não foram repostas; e a pediatra que ia com regularidade está indo apenas umas duas vezes por semana.

***

Essa semana o blog IGOR DE FATO entrevistou com exclusividade a coordenadora do Conselho Municipal de Saúde de Santa Maria, Rosa Maria Salaib Wolff:

Rosa Wolff - Estamos vivendo no município um total desmonte da saúde pública. As equipes de Saúde da Família foram demitidas sem que tivesse havido concurso publico para recompor os quadros, e 16 unidades de saúde estão fechadas ou atendendo sem médicos ou enfermeiros. Cada uma dessas unidades era responsável por 4.500 pessoas, e como vemos, temos 70.000 sem nenhuma assistência nesse momento que temos a gripe H1N1 solta por aí. Apenas na zona sul temos 500 pessoas acamadas (não saem da cama) e que recebiam atendimento das equipes, e que agora não têm essa atenção. São pessoas que usam por exemplo sonda vesical pois não conseguem urinar; essas sondas têm que ser trocadas a cada 3 dias, senão provocam infecção, que nessas pessoas é potencialmente fatal. Quando colocado isso ao secretário de saúde, ele respondeu que esses doentes não eram de agora e sim da gestão passada, e que ele tem que resolver problemas de agora”.

No mais, conversávamos eu e Igor sobre pessoas conhecidas (será você?) que vivem as contradições da dita pós-modernidade... Trata-se de uma conversa informal de botequim pelo Google Talk, que, portanto, não fundamenta – ao menos em princípio – teoricamente certas reflexões críticas.

"Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas ou com fatos reais terá sido mera coincidência".

***

[...] Igor de Fato: É a pós-modernidade. [fulanos] são tipicamente pós-modernos.

Blog do Berned: Não é uma questão de indivíduos serem ou não serem, Igor... Digamos que [fulanos] vivem as contradições da pós-modernidade. Mas todos estamos inseridos em uma realidade pós-moderna.

Igor de Fato: Discordo, pois sustento que a modernidade ainda não acabou. A pós-modernidade é uma ideologia, não é um tempo.

Blog do Berned: Também concordo que a modernidade ainda não acabou... Senão não seria pós "modernidade". Talvez seja uma ideologia, em princípio discordo, mas não sei... Sei que é pela pós-modernidade que podemos conviver com essas multiplicidades sociais, e inclusive poder viver com essas próprias contradições. E concordo que a modernidade não acabou: vejo a "pós" como apenas mais uma das tantas facetas da modernidade. Se é uma ideologia, estamos imersos nela também.

Igor de Fato: O pós-modernismo fundamentalmente é a crença no fim dos grandes projetos e a negação das grandes utopias.

Blog do Berned: A questão é que é fato... De uma maneira geral somos levados a não crer em grandes projetos e a acreditar no fim das utopias... Se ainda há os que acreditam, é por pura resistência... Como no nosso caso.

Igor de Fato: Uhum. Mas estamos num momento de mudança. Nos últimos vinte anos foi resistência pura. Agora já se fala em socialismo do século XXI, tem 8 edições do Fórum Social Mundial, e o neoliberalismo está em crise. É um outro momento pra se falar em grandes projetos, em socialismo; é um momento melhor do que os anos 90.

Blog do Berned: Sim... Podemos viver uma mudança... Mas é justamente a pluralidade de "ideologias", sua coexistência em tensão mas passível de convivência, e a vivência de contradições inerentes a essa pluralidade que eu vejo como "pós-moderna". E o fato de admitir que vivemos na pós-modernidade não é necessidade de aceitar, mas poder ser protagonista da mudança, mesmo quando a nossa ideologia nos exerce uma pressão de que "não vale a pena".

Igor de Fato: Sereno Pablo, sereno. Eu avalio que estamos numa ressaca da queda do muro ainda. A coisa mais extraordinária que surgiu depois da queda foi o Fórum Social Mundial. Foram os caquinhos sendo juntados: "um outro mundo é possível". Depois disso, governos começaram a colocar em prática experiências contra-hegemônicas. A América Latina está em ebulição. A China ainda fala em socialismo, e a Coréia, Vietnam, Cuba. Em todo mundo a hegemonia estadunidense sendo negada, embora ainda seja hegemonia. Por isso vejo muita esperança, pois existe luta. E onde há luta há esperança. Existe ainda uma dificuldade de projetos consensuais, mas alguns consensos estão se formando. No andar da carruagem as melancias se ajeitam.

Blog do Berned: Sim... Concordo contigo. “Outro mundo é possível”. É possível também que haja diferentes facetas da dita "pós-modernidade". E ela pode estar em derrocada, possivelmente; mas isso não pode ser visto como "a" modernidade ainda, mas talvez um outro desdobramento ainda da mesma modernidade, que hoje é tida como "pós". Mas é fato... se o mundo mudou depois da queda do muro... Vivemos a possibilidade de uma outra guinada... Não mais de bipolaridade, nem de hegemonia estadunidense, mas de apoios multilaterais, descentralizados e de respeito às soberanias.