literatura, política, cultura e comportamento.
seja em santa maria, em alegrete, no rio de janeiro, em osório ou em liechtenstein.
na verdade, tanto faz.

30 de abril de 2011

"As revistas, as revoltas, as conquistas da juventude são heranças, são motivos pras mudanças de atitude"


Os meios de comunicação no Brasil propõem (ou impõem?) um certo modelo comportamental de jovens, em tese calcado no estereótipo Malhação, talvez por entenderem a juventude como "uma banda numa propaganda de refrigerantes", como canta Humberto Gessinger. O vídeo de Felipe Neto, que você vê aqui, rejuvenesce a discussão sobre os impostos no Brasil, mas por uma perspectiva já caduca, reducionista, limitada, ou seja, mais do mesmo. Embora ele não diga, ficamos com a impressão, ao final do vídeo, que ele poderia muito bem ter tirado a seguinte conclusão: "esse dinheiro que o governo dá pra pobre comer, que oferece para pobre se qualificar e poder mudar de vida, esse dinheiro poderia servir para eu ficar jogando videogame". Estou errado na minha leitura?

Diante disso, a reflexão do Marcelo Parreira é extremamente pertinente. Destaco a seguinte passagem: "O que prejudica a aplicação dos nossos impostos, tanto quanto os desvios que devem ser combatidos, são os problemas estruturais. Nossa legislação tributária consegue ser ao mesmo tempo redundante e falha, nossa fiscalização para evitar a sonegação só começou a melhorar recentemente, setores importantes são bitributados, entre outros problemas. Mesmo assim, a famosa reforma tributária nunca engrenou por um misto de miopia dos governos estaduais, preguiça do governo federal e desinteresse do Legislativo. Isso sim merecia uma revolta e protestos, mas quem quer se arriscar em um assunto complexo como esse quando você pode simplesmente maldizer os políticos e babar pelos cantos?"
http://oopinioso.wordpress.com/2011/04/28/porque-felipe-neto-esta-errado/

Em relação ao texto completo de Parreira, acrescentaria o seguinte ponto:
 

No começo do vídeo, Felipe Neto já sobe nas tamancas: "Tá na hora de mostrar para essa porra de governo que a gente voltou a ter força para lutar pelo que é justo. Tá na hora de definir de vez que quem manda nessa porra aqui é a gente. Preço justo nessa porra já! Desde a época da ditadura que a juventude brasileira se calou. Toda a porra de dia a gente ouve notícia e mais notícia sobre corrupção, sobre aumento de salário de político, sobre zona com o dinheiro público". Não quero dizer, ao criticá-lo, que não haja problemas no país, mas não podemos cair em reducionismos hipócritas e em equívocos. Só no trecho destacado, poderíamos lembrá-lo do Fora Collor (como se fosse um ato isolado pós-ditadura!) e atualizá-lo sobre o debate importante e necessário sobre a democratização da informação (e sua crítica aos interesses e qualidade das grandes empresas midiáticas).

Não vou me estender sobre a dimensão dos movimentos políticos estudantis no Brasil, sobretudo das forças (em constante embate) que compõem a UNE, a UBES e a ANPG, ou dos movimentos sociais, dos movimentos de jovens trabalhadores, dos centros de cultura, da organização em partidos, ONGs, igrejas... Gostaria de retomar, em relação a esse assunto, o movimento contra a ALCA entre final dos anos 90 e início dos 2000, protagonizado pelos estudantes, e que se baseava exatamente no oposto desse #precojusto, "fácil discursinho pequeno-burguês":

"A possível criação da Alca é motivo de preocupação tanto para os países subdesenvolvidos (a maioria) quanto para os desenvolvidos (Canadá e Estados Unidos). Esse bloco visa estabelecer uma zona de livre comércio no continente americano, onde as tarifas alfandegárias seriam, paulatinamente, eliminadas, proporcionando, assim, a livre circulação de mercadorias, capitais e serviços. Entretanto, a livre circulação de pessoas e trabalhadores entre os países integrantes não seria permitida, pois o idealizador da Alca (EUA) não pretende intensificar a entrada de latino-americanos em seu território."
http://www.brasilescola.com/geografia/alca.htm

Com a ALCA, teríamos o tal cenário em que os produtos importados dos Estados Unidos e do Canadá seriam praticamente livres de imposto sobre importação. Os países “ricos” dominariam o capital industrial, e os “pobres” da América Latina assumiriam de vez o papel de coadjuvantes, restritos à atividade primária (mas com produtos de marca e originais nas prateleiras “livres de impostos”). O grande problema nesse cenário seria a situação do Brasil, e provavelmente da Argentina e do México. Não se trata de fazer suposições evasivas, mas pesquisar o impacto que houve na economia mexicana a partir do NAFTA. Países de industrialização ascendente, sofreríamos (mais) com a procura das empresas estrangeiras pelo “baixo custo”, só que sem barreiras protecionistas que permitissem o fortalecimento da economia nacional. Em miúdos, a América Latina seria uma neocolônia norteamericana, presa pelos limites do Bloco Econômico; ao contrário da cooperação do MERCOSUL, que alavanca a expansão da nossa economia com a Europa, o Oriente Médio, a África, Rússia, China, Japão... O debate não seria sobre o imposto malvado que encarece o DVD do Harry Potter, mas ainda sobre questões de soberania nacional, dívida externa, arrocho salarial, desemprego, futuro... (tipo anos 90?).

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E, ainda, sobre o protagonismo ATUAL da juventude, transcrevo um trecho que gosto muito, destacado de uma entrevista da Deputada Manuela D'Ávila (PCdoB/RS):

Sul21 – Tu comentaste há pouco sobre a tua trajetória no movimento estudantil. Como tu avalias o grau de politização do jovem brasileiro em geral, e do movimento estudantil em particular?

Manuela – Em primeiro lugar, eu acho que muitas vezes as pessoas caem no erro de avaliar as coisas sem levar em conta o momento histórico. Comparam os jovens de hoje com os jovens da ditadura militar… O Brasil é diferente, a vida é diferente. Os jovens que combateram a ditadura, como a Dilma (Rousseff, candidata do PT à presidência), lutaram para que a minha geração vivesse em liberdade. Temos que colocar as coisas dentro de seu período histórico. A população jovem hoje é muito maior, numericamente falando. Somos 55 milhões de jovens, e sobre nós incide de maneira mais cruel a desigualdade. Os jovens convivem com as oportunidades geradas pelo governo Lula, mas também com as desigualdades que ainda não superamos. Um cara que estuda consegue acessar a universidade, mas ele precisa trabalhar oito horas para pagar essa universidade. Então, é preciso entender quem é o jovem hoje. E também é preciso entender, na minha opinião, quais são as formas de participação da juventude. O movimento estudantil, hoje, é uma de várias formas de manifestação da juventude, como é o hip hop, como são os jovens universitários desenvolvendo pesquisas, como são os jovens que atuam no movimento de democratização da mídia… Vendo por esse lado, o movimento dos jovens é até maior hoje do que era na ditadura. Também é uma ilusão achar que todos os jovens estavam lutando pela liberdade, na época da ditadura. Acho que há uma tentativa de estereotipar nossa juventude como se ela fosse alienada, e ela não é.

Sul21 – E por que isso?

Manuela -
Porque a gente saiu de um processo muito longo de neoliberalismo, que vendia a ideia de que o indivíduo era superior ao coletivo. Para essa visão, é errado divulgar valores coletivos. Uma pessoa tem que encarar seus colegas de aula como adversários, porque eles serão adversários no mercado. A gente ainda vive em um mundo em que se difunde muito os valores individuais. E acreditar na juventude, em sua capacidade de mobilização, equivale a dizer que isso é mentira.

http://sul21.com.br/jornal/2010/10/manuela-%E2%80%9Ctenho-o-sonho-de-ser-prefeita-de-porto-alegre%E2%80%9D/






Post-scriptum: sugestões de leitura

@opinioso - Fazer a diferença (ou Porque Felipe Neto continua errado)

@opinioso - Da arte de se explicar sem se explicar (ou Porque o #preçojusto não pode ser defendido)

@Tsavkko (sugestão do @brizola_neto) - Preço Justo Já e a falta de crítica da classe média #PrecoJusto

2 de abril de 2011

Conjecturas nada estáveis I



"[O materialista histórico] extrai da época uma vida determinada e, da obra composta durante essa vida, uma obra determinada. Seu método resulta em que na obra o conjunto da obra, no conjunto da obra a época e na época a totalidade do processo histórico são preservados e transcendidos" (BENJAMIN, 1987, p.231).

Para que se possa compreender uma determinada época, ao invés de se adotar uma perspectiva “historicista”, de fundamento positivista, convém ser mais adequada uma postura que privilegie as manifestações ideológicas de cada momento histórico, compreendendo as suas oposições, intersecções e contradições. As próprias manifestações ideológicas não são estanques, pois são ressignificadas às variáveis de tempo, espaço, condição socioeconômica, cultural, racial, de gênero, etc.

A soma de tais variáveis é o que permite o exercício do materialista histórico em compreender uma determinada realidade e as perspectivas ideológicas que estejam em jogo. Não esquecendo que ele próprio – o sujeito que se propõe a realizar o exercício de análise – a realiza sob uma perspectiva ideológica, seja consciente ou não, e que essa perspectiva não é harmônica, mas está em tensão com outras perspectivas ideológicas, hegemônicas ou emergentes em determinados campos sociais.

Tenho em vista, por exemplo, que, ao me propor a analisar a dimensão ideológica dos últimos textos de Marguerite Duras, publicados nos anos 90, devo considerar os posicionamentos que a sua escrita carrega – não diretamente, mas possivelmente como palimpsestos – frente a momentos históricos e vivências pessoais, como as políticas do império francês frente à colônia no oriente e o modo como tal circunstância histórica foi compreendida pela escritora a partir da sua vivência na infância, a sua participação na resistência francesa ao nazismo durante a segunda guerra e como essa experiência foi assimilada na sua escrita, bem como o engajamento e a decepção com o PCF, entre outras circunstâncias tematizadas diretamente ou tangencialmente pelo conjunto de sua obra.

Mas também devo ter em vista – embora não esteja entre os objetivos da pesquisa – as circunstâncias que fazem com que um jovem pesquisador em seus vinte e poucos anos, oriundo do sul do Brasil, através de várias experiências pessoais que fazem com que eu me constitua como sujeito de uma época e ao mesmo tempo singular, me interesse pelos textos de Marguerite Duras, e que sentidos são produzidos ao se ressignificar (pelo simples ato de leitura) uma obra produzida em diferentes circunstâncias históricas, geográficas, culturais, etc. Ou seja: devo ter em vista que o próprio discurso sobre outro discurso também traz consigo perspectivas ideológicas, seja em embate ou confluência entre si, ao mesmo tempo em que devo considerar que, inevitavelmente, todo o discurso se funda sob outros discursos.