Entrevistas interessantíssimas encontrei no blog de Geneton Moraes Neto (http://colunas.g1.com.br/geneton/), entrevistas que não consegui parar de ler se já começava a lê-las. Hesitei em reproduzir alguma que fosse aqui no blog; mas como realmente fiquei surpreendido com as entrevistas que li, acredito ser uma forma de dividir com os amigos esses textos. Entre vários, resolvi reproduzir esse em especial, que trata do museu do poeta russo Vladimir Maiakóvski.
“O BARCO DO AMOR QUEBROU-SE CONTRA A VIDA COTIDIANA.É INÚTIL PASSAR EM REVISTA AS DORES, OS INFORTÚNIOS E OS ERROS RECÍPROCOS. SEJAM FELIZES”
Postado por Geneton Moraes Neto em 24 de novembro de 2009 às 22:40
Anotação de uma visita ao museu que homenageia um grande poeta em Moscou:
A poucos passos da antiga sede da KGB, a famigerada polícia secreta dos tempos do regime soviético, o forasteiro encontrará, preservado, um discreto monumento à poesia : o quarto onde vivia Vladimir Maiakóvski, autor de versos épicos e geniais. Não existe lugar melhor para celebrar a beleza trágica da vida do maior poeta russo do século vinte.
Tudo
o que quero
é um palmo de terra
ao lado
dos mais pobres
camponeses e obreiros.
Porém
se vocês pensam
que se trata apenas
de copiar
palavras a esmo,
eis aqui,camaradas,
minha pena,
podem
escrever
vocês mesmos !
Uma pequena legião de fãs Maiakóvskinianos desembarca todos os dias neste endereço que vem se tornando cult,em pleno centro de Moscou. Uma placa aponta para um pátio, no início da rua Myatninskaya. O visitante que deixar a calçada rumo ao pátio interno de um prédio desbotado terá uma surpresa. O pátio dá acesso a um dos mais originais, irreverentes e anticonvencionais museus abertos nos últimos anos na Rússia.
Perdidos em disputas monótonas,
buscamos o sentido secreto,
quando um clamor sacode os objetos :
Dai-nos novas formas !”
Não há mais tolos boquiabertos
esperando a palavra do “mestre”.
Dai-nos,camaradas,uma arte nova
— nova —
que arranque a República da escória.
O Museu Maiakóvski abriu suas portas em 1990 – quando o comunismo já agonizava sob os escombros do Museu de Berlim. Virou ponto de peregrinação de fãs de Maiakóvski, principalmente porque foi lá que o poeta morou, entre l9l9 e l930, num quarto modesto onde viria a morrer.
Os quatro andares do prédio onde ficava o quarto de Maiakóvski foram transformados em museu, administrado pelo Estado. Ao contrário do que acontece em museus instalados em casas onde viveram escritores – em geral, marcados pelo tom austero e solene – o Museu Maiakóvski dá asas ao delírio.
Bebe e celebra! Desata
nas veias a primavera !
Coração, bate a combate!
O peito – bronze de guerra.
O Museu quer reproduzir,numa espécie de ”instalação” que poderia ser perfeitamente montada numa dessas bienais de artes plásticas,o que se passava pela ”imaginação em chamas do poeta”. Assim,objetos que pertenceram a Maiakóvski,como manuscritos e até boletins escolares, são expostos de uma maneira que pode confundir visitantes desatentos. É esta exatamente a intenção do Museu : provocar espanto no visitante.
Cadeiras estão suspensas no ar. Uma estante de vidros quebrados parece enterrada no chão. Surrealismo puro. A porta de uma cadeia é a maneira de informar que Maiakóvski ficou preso por nove meses por ter ajudado presos políticos a fugir.Um dossiê policial registra,ainda na primeira década do século,as atividades do subversivo Maiakóvski,na Rússia pré-revolucionária. Bolas azuis jogadas no trajeto dos visitantes são uma citação ao futurismo.
Depois de descobrir o futurismo na Escola de Pintura e Escultura de Moscou, Maiakóvski foi um dos autores de um manifesto que pedia “um tapa na rosto do gosto do público”. Bustos clássicos espalhados pelo chão testemunham a necessidade de estilhaçar velhas formas da criação artística: “Sem forma revolucionaria não há arte revolucionária”. Seis fuzis apontam para o céu.
O poeta chegou a fazer um apelo para ser recrutado pelo Exército. Depois de percorrer os quatro lances da instalação delirante, o visitante chegará ao pequeno quarto de pensão que exibe, na porta, o nome do poeta. O cenário é modesto: um sofá, um baú azul, uma estante de quatro prateleiras, uma foto de Lênin na parede. É tudo despojado e simples, como convém a um poeta que escreveu:
Os versos
para mim
não deram rublos,
nem mobílias
de madeiras caras.
Uma camisa
lavada e clara
e basta -
para mim é tudo.
Ao Comitê Central
do futuro ofuscante,
sobre a malta dos vates
velhacos e falsários,
apresento
em lugar
do registro partidário
todos
os cem tomos
dos meus livros militantes.
Ao lado do quarto de Maiakóvski, o chão foi pintado de amarelo. Há portas vermelhas entreabertas. O visitante que desembarcar neste estranho mas fascinante museu terá como guia um personagem que parece saído de um dos versos do poeta : uma mulher de 74 anos,chamada Maria Leonietvna. Depois de ler um aviso de que o museu estava à procura de ”trabalhadores idosos”,esta ex-professora se apresentou. Contratada,virou especialista em Maiakóvski.
Aos visitantes, ela explicará que durante anos a vizinha KGB, “por razões de segurança”, era contrária à instalação de um Museu no local onde Maiakóvski viveu e morreu. “Desde que Maiakóvski morreu, ninguém voltou a morar no quarto que ele ocupava. Era propriedade do Estado” – dirá a paciente guia. Entusiasmada com a narrativa da odisséia do poeta na Rússia conflagrada das primeiras décadas do século, Maria Leonietvna vai guiando os navegadores entre um e outro cenário do planeta maiakovskiniano instalado no centro de Moscou:
— “Maiakóvski era uma figura contraditória sob todos os aspectos. Rejeitava o amor burguês, mas amou uma mulher de origem burguesa. Temos um ícone de Nossa Senhora no Museu: Maiakóvski era ateu, mas se voltou para a idéia de Deus. Rejeitava o Estado, mas serviu ao Estado. Fez versos e pinturas triunfalistas sobre a Rússia. Stálin vetou Maiakóvski, porque ele tinha escrito um poema dedicado a Lênin. Quando Stálin devolveu Maiakóvski à vida russa, pensou que Maiakóvski escreveria um poema de louvor a ele. Mas Maiakóvski não escreveu” – diz a guia.
Tanto tempo depois, visitantes anônimos percorrem este pequeno território no centro de Moscou. O capítulo final pode ter sido – e foi – trágico. Mas Maiakóvski é lembrado como o poeta vital, épico, rebelde, que celebrava o Comitê Central do Futuro em versos gritados como estes, em que dialoga com o sol:
(…) Vamos, poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.
Maiakóvski – que enfiaria um balaço no peito no dia quatorze de abril de 1930, aos trinta e seis anos de idade - produziu em 1926 um poema belíssimo em homenagem a Serguei Iessienin, um poeta e amigo que se matara três dias depois do Natal de 1925. Não se sabe o que é maior ali: se a tragédia de um suicídio consumado (e outro antevisto) ou se a beleza de versos encharcados de dor e esperança. Maiakóvski passou três meses escrevendo os versos de ”A Serguei Iessienin”.
Haroldo de Campos traduziu assim o canto de Maiakóvski ao amigo morto:
Por enquanto
há escória de sobra.
O tempo é escasso-
mãos à obra.
Primeiro
é preciso
transformar a vida,
para cantá-la -
em seguida.
(…) Para o júbilo
o planeta
está imaturo.
É preciso
arrancar alegria ao futuro.
Nesta vida
morrer não é difícil.
O difícil
é a vida e seu ofício.
Iessienin tinha deixado, como despedida, versos belos mas desesperançados – escritos, literalmente, com sangue, num quarto do Hotel Inglaterra, em Leningrado. Depois de cortar os pulsos e escrever os versos finais, Iessienin se enforcou.
A tradução de Augusto de Campos para os versos de Iessienin foi publicada no volume “Maiakóvski/Poemas”, um pequeno tesouro organizado a seis mãos por Boris Schnaiderman e pelos irmãos Campos para a Editora Perspectiva, em São Paulo, em 1983:
Até logo,até logo,companheiro
Guardo-te no meu peito e te asseguro:
O nosso afastamento passageiro
é sinal de um encontro no futuro.
Adeus, amigo, sem mãos nem palavras.
Não faças um sobrolho pensativo.
Se morrer, nesta vida, não é novo,
tampouco há novidade em estar vivo”.
Cinco anos depois, o próprio Maiakóvski se matou. O bilhete de despedida dizia:
“O incidente está encerrado. O barco do amor quebrou-se contra a vida cotidiana. Estou quite com a vida. É inútil passar em revista as dores, os infortúnios e os erros recíprocos. Sejam felizes”.
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