literatura, política, cultura e comportamento.
seja em santa maria, em alegrete, no rio de janeiro, em osório ou em liechtenstein.
na verdade, tanto faz.

30 de junho de 2010

Uma leitura de O caminhão, de Marguerite Duras

Minha mãe está lendo O caminhão, tradução de Le camion, de Marguerite Duras, livro com que trabalhei durante meu projeto de pesquisa no mestrado. Durante a tarde, entre uma conversa pela internet de muitos temas, ela toca no assunto e puxa conversa...


Mãe: Estou quase terminando O Caminhão...

Blog do Berned: E o que está achando?

Mãe: Meio complicado... Tem que entrar na história para entender o que ela pretende... 
Parece escondido...
Tem que aguçar a imaginação...

Blog do Berned: Sim, é a ideia: exigir do leitor uma participação ativa na leitura.

Mãe: Yes! Disseste melhor!
Tem que se colocar em cada personagem... tipo, viver junto a história.
Estar no caminhão.
Imaginar a paisagem...
E o que se passa na cabeça da mulher...
É tudo invenção o que ela fala?
Ela saiu de um sanatório como fala o Gérard Depardieu...
Ou é uma solitária que procura viver uma história pedindo carona?

Blog do Berned: Eis o tempo hipotético na organização da narrativa!

Mãe: Ou seja: uma incógnita!

Blog do Berned: Não é uma incógnita, pois não há resolução para isso. 
Ou seja, as possibilidades são infinitas! 

Mãe: Hummm... não tinha pensado nisso!
Cada leitor imagina o que quiser e pronto.

Blog do Berned: Exatamente...

Mãe: Será que no filme não fica meio... sem graça?
Pois, no final, é a montagem de um filme...

Blog do Berned: Talvez, não vi o filme.
Mas acho que o efeito é semelhante... Pois a atenção não estaria na imagem, apesar dela estar bem ali em frente! Mas possivelmente no som, como um convite para fechar os olhos e imaginar...

Mãe: Hummmm...
Mas já fiquei imaginando como seria o filme...

Blog do Berned: Exatamente, é esse o efeito!

Mãe: Imaginar e não assistir?

Blog do Berned: Sim!

Mãe: E também seria sem ação...
Ela por vezes cantarola uma canção...

Blog do Berned: E que canção é?
Imagina alguma para o filme que se passa durante a tua leitura?

Mãe: Ainda não tentei...
Mas num filme ficaria meio parado. Pois ele, G.D., só responde por monossílabos...
Ficaria um diálogo unilateral?

Blog do Berned: Imagina que ela está no papel de quem conta uma história;
e ele, no nosso papel, daquele que ouve a história e orienta o nosso papel, a participar, a interrogar(-se) e a imaginar a história.

Mãe: Então, é uma sala com uma mesa e somente duas personagens contando uma história que o público só imagina....

Blog do Berned: O paradoxo é ir ao cinema ver isso, quando as narrativas contadas por alguém ao pé de fogueiras são milenares...
O homem sente a necessidade de ouvir e contar histórias...

Mãe: Mas e esse filme existe?

Blog do Berned: Sim. 
E se passa em uma sala, com uma mesa e somente duas personagens contando uma história que o público só imagina.

Mãe: E não foi aquele que ela não gostou de como fizeram?
Não... esse foi O Amante!

Blog do Berned: O caminhão foi ela mesma quem fez.

Mãe: E ela gostou?

Blog do Berned: Sim... ela fez como queria que fosse feito.

Mãe: Hummm... Intrigante e curioso.
Ou desperta a curiosidade para assisti-lo.


Para conhecer mais da boleia desse caminhão, procure o livro aqui.

29 de junho de 2010

Patriotismo de copa do mundo

Foto: Fifa.com, via Flickr/Y!

Muita gente critica esse fenômeno em terras tupiniquins, o nosso patriotismo que se alterna entre copas do mundo de futebol e olimpíadas de verão. Tais críticos, suponho, têm em vista um patriotismo constante ao longo do ano, e que teria seu apogeu no sete de setembro, no quinze de novembro, e talvez no 22 de abril. Seu modelo é, supostamente, as comemorações do 4 de julho nos Estados Unidos e do 14 de julho na França.

Se considerarmos o motivo de comemoração em relação ao julho estadunidense e ao francês, verificaremos que remete a momentos profundamente significativos, de rompimento com uma ordem vigente e surgimento de outra ordem, com intenso apoio e participação popular. É destacado o orgulho nacional de se ter participado de uma grande vitória para o seu país, a sua nação e o seu território.

E no Brasil, por que é diferente? De fato, com os acontecimentos que precederam e atingiram o seu ponto alto no sete de setembro em São Paulo, a independência do Brasil representou uma independência de fato? Ora, as elites mantiveram-se as mesmas, o sistema escravagista e monárquico permaneceu o mesmo, e a dependência política de Portugal, econômica da Inglaterra e cultural da França mantiveram o Brasil agindo como uma colônia. A própria proclamação da república, com mais de cinquenta anos de atraso, apenas exprimiu o esgotamento de um sistema em si mesmo, não modificando substancialmente em nada a política e a economia nacional.

Em termos políticos e econômicos, as grandes mudanças iniciaram com o governo de Getúlio Vargas. O caudilho gaúcho, que garantiu inúmeros avanços nas áreas trabalhista e industrial, ainda representava os interesses de sua classe social, embora confrontasse o eixo São Paulo – Minas Gerais. Sua Revolução de 30, que dá início aos 15 anos ininterruptos de presidência, é sim um marco de resistência e luta, ainda que da incipiente classe burguesa.

Quando o processo político do Brasil apontava para mudanças consistentes e significativas pelas eleições democráticas, sobretudo após os anos JK, de efervescência cultural e de grandes construções, os militares, apoiados pela UDN, reprimem os indicativos da mudança por vir e garantem no poder a mesma elite de sempre. Resumindo: na história do Brasil não há vitória de contestadores e revolucionários. As mudanças são tênues, vindas de regimes democráticos ou pelo próprio peso da história.

Que orgulho nacional pode advir dessa história oficial?

De fato, no Rio Grande do Sul, o orgulho gaúcho é muito mais intenso do que o de ser brasileiro, em que a Revolução Farroupilha é o grande motivo. E ainda, aos que possam condenar essa comemoração como uma batalha de interesses de oligarcas, no mesmo estado temos a figura de Leonel Brizola como referência pela Legalidade, a última grande resistência do poder civil ao golpe militar que a precederia. Poderemos admitir que efeito semelhante há em Minas Gerais em relação à Inconfidência e em Pernambuco em relação à Confederação do Equador.

O que torna o nosso país motivo de orgulho? Que ações humanas tornam o nosso especial e destacado em relação a outros? O que nos coloca na ponta de grandes países? Até pouco tempo, que atividade cumpria essa necessidade de auto-afirmação, senão o esporte, e mais especificamente o futebol?

Possivelmente apenas no século XXI começamos a abandonar o complexo de vira-latas e ter orgulho de nosso país, pela via democrática e coalizão política em torno de um projeto nacional de desenvolvimento e distribuição de renda. Apesar de sua imprensa e parte da população não terem assimilado que a mudança veio pra ficar, cada um de nós tem responsabilidade pela construção do país e grande nação que todos queremos que seja. Ter orgulho é ter amor-próprio, e amor-próprio se conquista pela satisfação em colaborar.