Os meios de comunicação no Brasil propõem (ou impõem?) um certo modelo comportamental de jovens, em tese calcado no estereótipo Malhação, talvez por entenderem a juventude como "uma banda numa propaganda de refrigerantes", como canta Humberto Gessinger. O vídeo de Felipe Neto, que você vê aqui, rejuvenesce a discussão sobre os impostos no Brasil, mas por uma perspectiva já caduca, reducionista, limitada, ou seja, mais do mesmo. Embora ele não diga, ficamos com a impressão, ao final do vídeo, que ele poderia muito bem ter tirado a seguinte conclusão: "esse dinheiro que o governo dá pra pobre comer, que oferece para pobre se qualificar e poder mudar de vida, esse dinheiro poderia servir para eu ficar jogando videogame". Estou errado na minha leitura?
Diante disso, a reflexão do Marcelo Parreira é extremamente pertinente. Destaco a seguinte passagem: "O que prejudica a aplicação dos nossos impostos, tanto quanto os desvios que devem ser combatidos, são os problemas estruturais. Nossa legislação tributária consegue ser ao mesmo tempo redundante e falha, nossa fiscalização para evitar a sonegação só começou a melhorar recentemente, setores importantes são bitributados, entre outros problemas. Mesmo assim, a famosa reforma tributária nunca engrenou por um misto de miopia dos governos estaduais, preguiça do governo federal e desinteresse do Legislativo. Isso sim merecia uma revolta e protestos, mas quem quer se arriscar em um assunto complexo como esse quando você pode simplesmente maldizer os políticos e babar pelos cantos?"
http://oopinioso.wordpress.com/2011/04/28/porque-felipe-neto-esta-errado/
Em relação ao texto completo de Parreira, acrescentaria o seguinte ponto:
No começo do vídeo, Felipe Neto já sobe nas tamancas: "Tá na hora de mostrar para essa porra de governo que a gente voltou a ter força para lutar pelo que é justo. Tá na hora de definir de vez que quem manda nessa porra aqui é a gente. Preço justo nessa porra já! Desde a época da ditadura que a juventude brasileira se calou. Toda a porra de dia a gente ouve notícia e mais notícia sobre corrupção, sobre aumento de salário de político, sobre zona com o dinheiro público". Não quero dizer, ao criticá-lo, que não haja problemas no país, mas não podemos cair em reducionismos hipócritas e em equívocos. Só no trecho destacado, poderíamos lembrá-lo do Fora Collor (como se fosse um ato isolado pós-ditadura!) e atualizá-lo sobre o debate importante e necessário sobre a democratização da informação (e sua crítica aos interesses e qualidade das grandes empresas midiáticas).
Não vou me estender sobre a dimensão dos movimentos políticos estudantis no Brasil, sobretudo das forças (em constante embate) que compõem a UNE, a UBES e a ANPG, ou dos movimentos sociais, dos movimentos de jovens trabalhadores, dos centros de cultura, da organização em partidos, ONGs, igrejas... Gostaria de retomar, em relação a esse assunto, o movimento contra a ALCA entre final dos anos 90 e início dos 2000, protagonizado pelos estudantes, e que se baseava exatamente no oposto desse #precojusto, "fácil discursinho pequeno-burguês":
"A possível criação da Alca é motivo de preocupação tanto para os países subdesenvolvidos (a maioria) quanto para os desenvolvidos (Canadá e Estados Unidos). Esse bloco visa estabelecer uma zona de livre comércio no continente americano, onde as tarifas alfandegárias seriam, paulatinamente, eliminadas, proporcionando, assim, a livre circulação de mercadorias, capitais e serviços. Entretanto, a livre circulação de pessoas e trabalhadores entre os países integrantes não seria permitida, pois o idealizador da Alca (EUA) não pretende intensificar a entrada de latino-americanos em seu território."
http://www.brasilescola.com/geografia/alca.htm
Com a ALCA, teríamos o tal cenário em que os produtos importados dos Estados Unidos e do Canadá seriam praticamente livres de imposto sobre importação. Os países “ricos” dominariam o capital industrial, e os “pobres” da América Latina assumiriam de vez o papel de coadjuvantes, restritos à atividade primária (mas com produtos de marca e originais nas prateleiras “livres de impostos”). O grande problema nesse cenário seria a situação do Brasil, e provavelmente da Argentina e do México. Não se trata de fazer suposições evasivas, mas pesquisar o impacto que houve na economia mexicana a partir do NAFTA. Países de industrialização ascendente, sofreríamos (mais) com a procura das empresas estrangeiras pelo “baixo custo”, só que sem barreiras protecionistas que permitissem o fortalecimento da economia nacional. Em miúdos, a América Latina seria uma neocolônia norteamericana, presa pelos limites do Bloco Econômico; ao contrário da cooperação do MERCOSUL, que alavanca a expansão da nossa economia com a Europa, o Oriente Médio, a África, Rússia, China, Japão... O debate não seria sobre o imposto malvado que encarece o DVD do Harry Potter, mas ainda sobre questões de soberania nacional, dívida externa, arrocho salarial, desemprego, futuro... (tipo anos 90?).
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E, ainda, sobre o protagonismo ATUAL da juventude, transcrevo um trecho que gosto muito, destacado de uma entrevista da Deputada Manuela D'Ávila (PCdoB/RS):
Sul21 – Tu comentaste há pouco sobre a tua trajetória no movimento estudantil. Como tu avalias o grau de politização do jovem brasileiro em geral, e do movimento estudantil em particular?
Manuela – Em primeiro lugar, eu acho que muitas vezes as pessoas caem no erro de avaliar as coisas sem levar em conta o momento histórico. Comparam os jovens de hoje com os jovens da ditadura militar… O Brasil é diferente, a vida é diferente. Os jovens que combateram a ditadura, como a Dilma (Rousseff, candidata do PT à presidência), lutaram para que a minha geração vivesse em liberdade. Temos que colocar as coisas dentro de seu período histórico. A população jovem hoje é muito maior, numericamente falando. Somos 55 milhões de jovens, e sobre nós incide de maneira mais cruel a desigualdade. Os jovens convivem com as oportunidades geradas pelo governo Lula, mas também com as desigualdades que ainda não superamos. Um cara que estuda consegue acessar a universidade, mas ele precisa trabalhar oito horas para pagar essa universidade. Então, é preciso entender quem é o jovem hoje. E também é preciso entender, na minha opinião, quais são as formas de participação da juventude. O movimento estudantil, hoje, é uma de várias formas de manifestação da juventude, como é o hip hop, como são os jovens universitários desenvolvendo pesquisas, como são os jovens que atuam no movimento de democratização da mídia… Vendo por esse lado, o movimento dos jovens é até maior hoje do que era na ditadura. Também é uma ilusão achar que todos os jovens estavam lutando pela liberdade, na época da ditadura. Acho que há uma tentativa de estereotipar nossa juventude como se ela fosse alienada, e ela não é.
Sul21 – E por que isso?
Manuela - Porque a gente saiu de um processo muito longo de neoliberalismo, que vendia a ideia de que o indivíduo era superior ao coletivo. Para essa visão, é errado divulgar valores coletivos. Uma pessoa tem que encarar seus colegas de aula como adversários, porque eles serão adversários no mercado. A gente ainda vive em um mundo em que se difunde muito os valores individuais. E acreditar na juventude, em sua capacidade de mobilização, equivale a dizer que isso é mentira.
http://sul21.com.br/jornal/2010/10/manuela-%E2%80%9Ctenho-o-sonho-de-ser-prefeita-de-porto-alegre%E2%80%9D/
Post-scriptum: sugestões de leitura
@opinioso - Fazer a diferença (ou Porque Felipe Neto continua errado)
@opinioso - Da arte de se explicar sem se explicar (ou Porque o #preçojusto não pode ser defendido)
@Tsavkko (sugestão do @brizola_neto) - Preço Justo Já e a falta de crítica da classe média #PrecoJusto