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6 de maio de 2009

"CONTRA"


Ela tinha pressa de deixar o escritório, afinal, era aniversário do marido. O fim da tarde enfumaçava-se com o frio que despontava, um frio que prometia ser rigoroso essa noite, como ela conferiu na previsão do tempo pela TV de manhã antes de sair de casa. Era necessário ela estar informada sobre tudo, pois para essa noite ela tinha planejado todos os detalhes para a festinha familiar. Apenas ela, o marido e o filho, mas seria uma festinha perfeita para a família perfeita, pensava ela. A empregada tinha sido orientada para caprichar na arrumação da casa e deixar a comida e os doces prontos e, assim que tudo estivesse pronto, ela poderia ir para casa. À noite, conforme planejado por ela, seriam apenas os três, a família perfeita. Ela demorou muito para conseguir se desvencilhar do escritório onde trabalhava; ainda restava buscar o filho na escolinha, e tentar chegar antes que o marido em casa. Teria que se apressar.

Um rapaz estava para atravessar a rua, levando em seus braços seu filho. O rapaz tentava proteger o bebê do frio, preocupado que estava em chegar logo em casa. Tanto pela saúde do filho, daquela forma exposto ao frio, quanto pelo cansaço do pai, depois de um dia de trabalho pesado em obras. Próximo à faixa de pedestres, o pai falava para o bebê que logo chegariam em casa, ao mesmo tempo que tornava a arrumar os agasalhos que protegiam o bebê. Nesse trajeto entre o trabalho, a creche e a casa, o rapaz acostumara-se a pensar sobre as contas da casa, sobre como ele e a esposa venceriam mais um mês; também pensava que, se pudesse, trabalharia menos para passar mais tempo com a familia. Ora, divagava ele, se trabalhasse menos e passasse mais tempo em casa, não precisaria mais deixar seu bebê até tão tarde na creche. Mas ele sabia que esse cálculo não dava certo no final; era preciso trabalhar, e cada vez mais, para poder sonhar com dias melhores. Ele na verdade não se queixava, sua pequena família era feliz ao seu modo, embora sempre tivessem vontade de aproveitar os momentos juntos cada vez mais. Estava frio, esfriando cada vez mais. Logo, logo estariam junto à esposa e mãe, que os esperava, como de costume.

Eis que o automóvel está em alta velocidade, e sua motorista está muito atrasada; ela tem que buscar o filho na escolinha e, ainda assim, tentar chegar em casa antes do marido para lhe preparar a surpresa, afinal, se a família está bem ou não, ela encara como sendo responsabilidade sua a harmonia da casa; é preciso chegar a tempo em casa, antes do marido, para que a surpresa planejada por ela ocorra nos conformes. Seria ótimo se ainda conseguisse chegar em casa antes da saída da empregada, apesar de que, pelo avançado da hora, dificilmente chegaria a tempo de encontrá-la; seria melhor confirmar com a empregada se não houve problemas com a arrumação da casa ou com a comida, para que não haja imprevistos; ligar ou não para a empregada, pedir para ela esperar ou não?, ela interroga-se, ao mesmo tempo que prevê perder tempo ao ligar, visto que o marido estará prestes a chegar em casa, possivelmente antes dela e do filho caso ela não se apresse. É preciso que saia tudo perfeito, tudo foi meticulosamente planejado para ser uma festinha perfeita de uma família perfeita, portanto, ela não pode se demorar mais...

Ela cogita ligar para a empregada e procura o telefone. De soslaio ela procura o telefone sobre o banco e tateia a bolsa. Afinal, ela está com pressa, e em alta velocidade. Nessa procura, a direção escapa por um segundo – um mísero segundo! – e, ao recuperar o controle, o carro vai em direção a um homem, com... com uma criança no colo. No auge das possibilidades, ela consegue pensar na possibilidade de frear e desviar, o que provavelmente chocaria o carro contra um muro ou um poste, inviabilizando os seus planos. Mas ela não pode. A noite tem que ser perfeita, ela pensa, ao mesmo tempo em que acelera; mais. Pela manobra operada, ela desvia seu automóvel branco o mínimo possível do homem e seu filho, embora não o suficiente para que o carro venha a encostar-se em ambos. E, dada a velocidade do automóvel, bastaria esse toque para ouvir-se um estouro que os arremessou para longe. Ela não olhou para trás. Tampouco se preocupou em prestar ajuda. Nos dias seguintes também não procuraria em jornais referência alguma sobre o ocorrido. Era necessário pegar o filho na creche e chegar antes que o marido em casa. Ela corta as ruas tomadas pela névoa branca, ela não podia se atrasar mais, ela tinha planejado uma festinha perfeita.
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Um comentário:

Sabina Insustentável disse...

nossa... me lembrou o filme 21 gramas :(

p.s- quanto ao selinho, eh só copiar e colar a imagem aqui, depois seguir as regras que estão lá no meu post e, o mais legal, fazer a listinha das 8 coisas que vc quer fazer em vida....
bjobjo, revisor !!! rsrsrssrs

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