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14 de março de 2011

Ato 2

Daqui vejo as pessoas lá embaixo, como formiguinhas andando de um lado para outro, sem propósito algum. Ir para onde? Para quê? Qual a finalidade de tudo isso? Poderia descrever qualquer uma daquelas pessoas: há engravatados, mendigos, obesos, carecas... Há algumas pessoas bonitas, outras nem tão apresentáveis... Aonde vão? Eu não sei, talvez pudesse ir junto...

Um carrega flores: será que vai vendê-las? Será que vai levar para a namorada? Ou será que vai a um velório? Daqui não dá para saber, não dá para penetrar na complexidade que é a existência do outro. O que ele me diria? Talvez estivesse tentando mentir para mim enganando a si mesmo. Talvez fosse sincero, mas não fosse convincente. Talvez simplesmente não me dissesse nada.

De onde saíram tantas pessoas? De onde vieram? O que estavam fazendo antes de passarem por aqui? Qual é a religião, a opção sexual, a formação escolar e profissional dessas pessoas? Será que olham TV? Por que veem TV? Será que têm opinião política mais ou menos definida? O que elas querem para si, pro Brasil e pro mundo? Igualdade social, índice de desenvolvimento humano, produto interno bruto, fator previdenciário, créditos de carbono, cotas nas universidades: qual é o caminho? Há apenas um caminho?

Daqui é fácil julgar: construções irregulares em áreas urbanizadas, monocultura no campo, políticas desenvolvimentistas, crítica superficial, debate sobre ética, o politicamente correto, a opressão social à mulher, ao negro, ao homossexual (a tudo o que seja rotulado como diferente, mas que é apenas mais do mesmo). Aborto: quantas moças se arriscam, enquanto eu – impassível – me dou o direito de julgá-las e de condená-las? Isso vai impedi-las de continuarem abortando? Ao mesmo tempo, julgo se o governo deve dar dinheiro para famílias sem fonte de renda ou se não deve dar dinheiro para “vagabundo que só vai querer fazer filho”. Contudo, eu permaneço aqui, na minha janela, com a boca escancarada e cheia de dentes esperando um milagre divino ou o investimento de um bondoso empresário norueguês que resolva todos os problemas que me cercam (ou a morte chegar!).

Cai uma garoa, e mendigos – homens, mulheres; idosos e crianças – se abrigam sob a marquise de uma grande loja. Um policial se dirige a uma mulher com duas crianças em volta e com outra no colo e diz: “Vocês vão ter que sair daí!” Ela diz: “Tudo bem, moço. Mas para onde a gente vai?” Aquelas palavras ecoaram pelo meu coração. Percebo que até o espaço embaixo dos viadutos foi fechado. “Para onde a gente vai?” E se fosse eu no lugar daquela mulher? O que eu faria? Eu poderia fazer alguma coisa? E, não estando no lugar daquela mulher, ainda assim eu posso fazer alguma coisa por ela e pelos seus filhos? Para onde aquela gente vai? Para onde a gente vai? Por algum motivo – seja deus, oxalá, o destino, o estado brasileiro, o yin e o yang, ou a favorável umidade relativa do ar – tive a sorte de nascer em uma determinada família, de determinada condição social, em coordenadas específicas de espaço e de tempo, em condições ideais de temperatura e pressão, que me tornaram apto a aproveitar as oportunidades com a sorte aliada ao esforço para que eu esteja assim, aqui e agora. E como aproveitar essa conjunção de fatores e de variáveis para ajudar as pessoas, de modo que todos possam ter a chance de aproveitar as mesmas oportunidades? Para onde a gente vai? Para onde a gente quer ir? O que é preciso fazer para se chegar a algum lugar?

Um comentário:

bertha díaz disse...

si el que mira se pregunta a dónde van los otros, es porque en el fondo, tampoco sabe... prefiere preguntárselo a otros que a sí mismo.
la memoria, las inquietudes y los fantasmas propias se sienten más cómodas abrazadas en la incertidumbre ajena.
hermoso texto, como siempre, pablo.

un abrazo desde ecuador.

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