literatura, política, cultura e comportamento.
seja em santa maria, em alegrete, no rio de janeiro, em osório ou em liechtenstein.
na verdade, tanto faz.

22 de março de 2011

Sobre a experiência pessoal e profissional em Alegrete

Praça matriz do Alegrete. Na imagem, uma referência de Mário Quintana ao tipo de cidade que (espero) ficará apenas no passado. Tenho otimismo em relação ao Alegrete.


Semestre passado tive uma incrível experiência ao trabalhar em uma escola pública municipal em Alegrete/RS. Foi uma incrível experiência pois tive a oportunidade de confrontar os meus posicionamentos com determinada realidade escolar, interpretá-la e, na medida do possível, agir sobre ela.

Tive vários momentos que me incitaram à reflexão, embora nem sempre tenham partido de situações positivas. Mas tudo é crescimento e amadurecimento.

Sempre costumo iniciar um debate sendo claro: o problema não é pensarmos diferente. Adoro poder aprender e crescer ao confrontar as minhas ideias com quem pense diferente. Desde que haja coerência e seriedade nos argumentos.

Esse rodeio todo é para narrar uma rápida situação em que me deparei algumas vezes logo que cheguei na cidade. Alguns professores vieram me questionar sobre o que eu estava fazendo "dando aula por lá". Eles comentavam que eu sou jovem, tenho boa formação, etc., e poderia procurar "coisa melhor". Na maioria das vezes eu acenava apenas com um sorriso meio constrangido. Outras eu me sentia mais a vontade para responder o que penso: Tudo bem, eu posso procurar "coisa melhor" (como eles me diziam). Não havia nada que me prendesse por lá, e também já tinha outros planos para mim. Mas, ao mesmo tempo, eu me perguntava e provocava os interlocutores: Se os "bons e jovens professores" (na lógica deles) devem ir embora da cidade, procurar "coisa melhor", quem vai dar aulas para essas crianças?

***

Pensei em terminar o post por aqui, mas convém destacar: conheci ótimos profissionais de educação na rede municipal da cidade, questionadores da própria realidade, abertos para novas ideias e atentos à sua responsabilidade como educadores em incentivar o protagonismo da juventude.

Sim, um outro mundo é possível.
E vocês podem (e devem) ser protagonistas na mudança da realidade, tanto em nível individual quanto da realidade à sua volta.
Espero poder ter passado, de alguma forma, essa mensagem.
Um abraço aos meus ex-alunos da Escola Municipal Lions Clube.

19 de março de 2011

Vale por um poema do Manoel de Barros


Nota: a foto é de um ninho de passarinhos que foi retirado de dentro do suporte de luz que fica na frente de casa. Observa-se que o ninho fora construído com gravetos e folhas secas, mas também com plástico, arame, cabelo... Ah, e apenas retiramos o ninho muito tempo depois de já ter sido abandonado.

14 de março de 2011

Ato 2

Daqui vejo as pessoas lá embaixo, como formiguinhas andando de um lado para outro, sem propósito algum. Ir para onde? Para quê? Qual a finalidade de tudo isso? Poderia descrever qualquer uma daquelas pessoas: há engravatados, mendigos, obesos, carecas... Há algumas pessoas bonitas, outras nem tão apresentáveis... Aonde vão? Eu não sei, talvez pudesse ir junto...

Um carrega flores: será que vai vendê-las? Será que vai levar para a namorada? Ou será que vai a um velório? Daqui não dá para saber, não dá para penetrar na complexidade que é a existência do outro. O que ele me diria? Talvez estivesse tentando mentir para mim enganando a si mesmo. Talvez fosse sincero, mas não fosse convincente. Talvez simplesmente não me dissesse nada.

De onde saíram tantas pessoas? De onde vieram? O que estavam fazendo antes de passarem por aqui? Qual é a religião, a opção sexual, a formação escolar e profissional dessas pessoas? Será que olham TV? Por que veem TV? Será que têm opinião política mais ou menos definida? O que elas querem para si, pro Brasil e pro mundo? Igualdade social, índice de desenvolvimento humano, produto interno bruto, fator previdenciário, créditos de carbono, cotas nas universidades: qual é o caminho? Há apenas um caminho?

Daqui é fácil julgar: construções irregulares em áreas urbanizadas, monocultura no campo, políticas desenvolvimentistas, crítica superficial, debate sobre ética, o politicamente correto, a opressão social à mulher, ao negro, ao homossexual (a tudo o que seja rotulado como diferente, mas que é apenas mais do mesmo). Aborto: quantas moças se arriscam, enquanto eu – impassível – me dou o direito de julgá-las e de condená-las? Isso vai impedi-las de continuarem abortando? Ao mesmo tempo, julgo se o governo deve dar dinheiro para famílias sem fonte de renda ou se não deve dar dinheiro para “vagabundo que só vai querer fazer filho”. Contudo, eu permaneço aqui, na minha janela, com a boca escancarada e cheia de dentes esperando um milagre divino ou o investimento de um bondoso empresário norueguês que resolva todos os problemas que me cercam (ou a morte chegar!).

Cai uma garoa, e mendigos – homens, mulheres; idosos e crianças – se abrigam sob a marquise de uma grande loja. Um policial se dirige a uma mulher com duas crianças em volta e com outra no colo e diz: “Vocês vão ter que sair daí!” Ela diz: “Tudo bem, moço. Mas para onde a gente vai?” Aquelas palavras ecoaram pelo meu coração. Percebo que até o espaço embaixo dos viadutos foi fechado. “Para onde a gente vai?” E se fosse eu no lugar daquela mulher? O que eu faria? Eu poderia fazer alguma coisa? E, não estando no lugar daquela mulher, ainda assim eu posso fazer alguma coisa por ela e pelos seus filhos? Para onde aquela gente vai? Para onde a gente vai? Por algum motivo – seja deus, oxalá, o destino, o estado brasileiro, o yin e o yang, ou a favorável umidade relativa do ar – tive a sorte de nascer em uma determinada família, de determinada condição social, em coordenadas específicas de espaço e de tempo, em condições ideais de temperatura e pressão, que me tornaram apto a aproveitar as oportunidades com a sorte aliada ao esforço para que eu esteja assim, aqui e agora. E como aproveitar essa conjunção de fatores e de variáveis para ajudar as pessoas, de modo que todos possam ter a chance de aproveitar as mesmas oportunidades? Para onde a gente vai? Para onde a gente quer ir? O que é preciso fazer para se chegar a algum lugar?