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31 de agosto de 2009

Manipulação para a conservação da hegemonia


Hoje estávamos em um café no centro de Santa Maria da Boca do Tanque Sujo, quando vi, na entrada do estabelecimento, a edição dominical do jornal “A RAZÃO” à venda. De longe, nada se lê exceto a afirmação em destaque, com letras quase do tamanho do nome do próprio jornal.

Movido pela curiosidade e vacinado contra a manipulação midiática, quis saber a fonte. Só aí fui descobrir que as aspas eram a afirmação
de Tarso Teixeira, vice-presidente da FARSUL e presidente do Sindicato Rural de São Gabriel. E a fonte da afirmação? O "serviço de inteligência" dos produtores rurais [sic]. Ou seja, eles criam um órgão que está apto a difundir verdades ou mentiras de acordo com o seu próprio interesse. É o cúmulo do cúmulo das nossas instituições baseadas na conservação do poder. Seria cômico.

(se tiver curiosidade, clique na imagem para aumentá-la, ou acesse a versão digital do próprio jornal ao final da postagem)

Logo em seguida, enquanto tomávamos café, reparei que realmente, à certa distância, era visível apenas a afirmação em destaque completamente descontextualizada no referido jornal. Eis o velho artifício de fazer com qu
e a opinião ou a inferência se passe por factual. As pessoas vão olhar essa manchete descontextualizada e o jornal e seus patrocinadores vão conseguir convencer a "opinião pública".

Não demorou outra: logo entrou um homem com a sua esposa, um típico "cidadão de bem" que, depois de sua caminhada vespertina, foi comprar pão. Olhou a "manchete" e exclamou algo do tipo: "Mas olha só! São bandidos mesmo! A Brigada tá certa, tem que matar todos mesmo!".

Sabem, o que realmente me preocupou foi o fato do cidadão não se interessar pela fonte da afirmação. Ingenuamente aceitou a manchete. Típico dos movimentos "Fora Sarney" e "Cansei", movimentos nacionais de indignação durante o intervalo da novela. É a inocência de nem conferir a fonte da informação, e a malícia de quem sabe se aproveitar disso.

Daí a necessidade cada vez maior da democratização da mídia, que hoje é empresarial e responde aos interesses de meia dúzia de famílias. A conferência de comunicação é uma necessidade para que seja reconsiderado o papel da mídia e os seus limites. Quando falo de limites não me refiro a censura, mas à utilização da liberdade de imprensa como liberdade para cometer crimes. Afinal, calúnia, injúria, difamação e ameaça ainda são crimes pelo nosso já defasado código penal.

Não temos meios impressos de "esquerda" diários. E qual a necessidade e função de meios diários de comunicação engajados em um projeto de esquerda? E como diferenciar o discurso de esquerda do discurso consolidado há 200 anos pela mídia que surge com a ascensão da burguesia e servindo aos seus interesses até hoje?
(dêem a devida atenção à definição acima de FARC publicada pela razão provinciana.
É explícita a visão dada por quem está diametralmente oposto no campo de disputas.
Em outras palavras: a metodologia de "reportagem" foi "pras cucuias")

A esquerda não pode entrar no jogo embusteiro da reporcagem hegemônica. Seu papel é o de desvelar. É o constante discurso político a evidenciar a luta de classes, a disputa de interesses. É clarear a realidade, e não escamoteá-la. E isso passa pelo próprio reconhecimento da sua parcialidade em consonância com um projeto de sociedade. Tudo o que existe na mídia hegemônica, mas que não é admitido por ela própria. Se a linguagem conservadora tende a apagar a luta de classes, a linguagem engajada tende a explicitar e explorar essa tensão social constantemente. Sobretudo, trata-se de transformar os modelos de representação do mundo veiculados pela mídia empresarial.

Eu, que me considero um grande defensor das TVs públicas, vejo uma enorme contradição não termos sinal aberto para elas. Para se assistir a TV Senado, por exemplo, temos que ter Sky ou antena parabólica! Isso não é democracia de informação: só vou saber o que acontece no legislativo pelo privilégio que o JN dá ao tucanato e aos demos? A TVE e a TV Brasil são avanços. Mas é necessário avançar no debate sobre as concessões do governo ao mass media. E ampliar o acesso das TVs públicas, e comunitárias, que têm ótimas programações.

Lembro que comentei algo do tipo com o Prof. Denílson ano passado, durante a sua campanha para vereador em Osório. É necessário o contraponto ideológico. Os meios hegemônicos de informação hoje disputam entre si os lucros de mercado. Não há embate de idéias. Afinal, em jornal de cidade pequena, o que tiver destaque além da página policial e da coluna social é lucro. As linhas editoriais tendem a ser iguais, conforme a ideologia pequeno-burguesa. Mais do mesmo.

3 comentários:

carlos orellana disse...

Parabéns Pablo, é realmente risível (para dizer o mínimo) uma manchete que se baseia unicamente na citação de uma única fonte. E isso que nem entrei o confllito ideológico imposto na 'reporcagem'.

Igor Corrêa Pereira disse...

Pablito, parabéns pela matéria.

Sua crítica sobre "a esquerda" soa estranha, contudo. Parece mais uma vez de alguém falando de cima do muro, como os filósofos criticados por Marx em suas Teses sobre Feuerbach. Cuidado com a contemplação, caríssimo amigo...

Já conversamos sobre isso, a prosa da construção de uma mídia proletária está no começo do começo no Brasil. Enquanto aqui do ladinho no Uruguai já tem lei que reserva 30% de cotas para movimentos sociais nas pograações de rádio e tevê, nós ainda estamos na nossa primeira Conferência de Comunicação.

Aliás, convido o Blog do Berned a se somar no comité Pró-Conferência do RS. Toda a juda é bem-vinda.

Abraços

melinaduarte disse...

Muito bom texto!

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